Tudo é rio, de Carla Madeira
 



Tudo é rio, de Carla Madeira

por Carol Canabarro

Nas aulas sobre literatura contemporânea brasileira, o nome da escritora Carla Madeira é uma constante. Mesmo antes dos alunos mergulharem em seu romance de estreia, "Tudo é rio", publicado incialmente pela Editora Dom Quixote e, hoje, pela Record. Mas uma vez com o livro em mãos, é possível que os aprendizes a escritor percebam que não é a autora que precisa ser lida, mas são eles que precisam lê-la. Ao longo de duzentas páginas temos uma aula de como fisgar o leitor. Prova é que Carla Madeira vigora na lista de livros mais vendidos do país há, pelo menos, três anos consecutivos.

As primeiras quatro letras do livro já nos deixam com a boca seca: "Puta". Bebe-se cem páginas numa sentada. Ao conhecer a personagem Lucy e sua sexualidade corrente de prostituta cobiçada e desafiadora, somos enredados. Uma mulher que vê na luxúria do sexo sua forma de existir e sentir prazer. Até que ela empaca nas negativas de um dos clientes do puteiro, o atordoado Venâncio.

Ele e Dalva, as duas outras personagens principais da trama, têm seu o amor dragado por um ato de violência do marido, logo após o casamento. A barragem do ciúme devasta a vida pacífica que poderiam vir a ter. Lucy força a entrada naquela história e se afoga junto com o casal. Pronto, é o que basta para nos submergir com os três.

Se Carla Madeira suspendeu a escrita por quatorze anos depois de descrever a agressão para pegar fôlego, do lado de cá das páginas, lemos sem respirar. As figuras de linguagem, o jogo de palavras, a fluidez da escrita, a qualidade na descrição das cenas e a complexidade das personagens são seu canto de sereia. A história é boa, mas a forma como ela a descreve é sublime.

O leitor é capaz de sentir o prazer de Lucy por debaixo da própria pele, o arrependimento de Venâncio nas têmporas e a resiliência de Dalva na ponta dos dedos. Há quem chore as lágrimas que as personagens mantem represadas por não saber agir de outra forma.

No capítulo 25, a personagem secundária (de primeira), Aurora, dá um banho de humanidade e faz uma leitura sobre a vida, as relações humanas entre si e com o universo de forma poética, realista e, porque não, esperançosa. É o único momento em que presenciamos mais a autora do que a obra, o que não deve ser considerado demérito algum.

"Tudo é rio" desagua em foz, abrandado, sereno como é possível ser depois de dias de corredeira, pronto para se transformar em outra coisa, maior, mais densa, mais salgada. Se não na vida das personagens, pelo menos dentro de nós.

Há quem o tenha lido e criticado negativamente, alegando romantização de abusos, machismo e um final conciliador. Possivelmente esses leitores entraram no livro de boia, os forçando a ficar na superfície. "Tudo é rio" é, antes de mais nada, um livro para ser lido por quem sabe nadar.

 

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