Clarice Lispector, nessa história como nas demais, nos traz o ponto de vista feminino a respeito da vida. O romance tem por cenário a cidade do Rio de Janeiro e conta a história de amor vivida por Lóri e Ulisses. Lóri é a personagem central, em busca de si própria, do seu autoconhecimento e do prazer sem culpa.
Ela se utiliza da escrita densa e intimista para retratar os conflitos psicológicos dos personagens, no caso o de Lóri ou Loriney. Ulisses ocupa um papel secundário, um farol para os pensamentos e atitudes dessa. Ele a quer mas a quer inteira. Ela precisa primeiro se amar para então poder a ele se entregar.
Ao meu ver, Ulisses também passa por uma transformação e vai ao encontro de si mesmo em face do outro. Quando um se transforma, em efeito cascata, transforma o outro. Ulisses se transforma num simples homem, não mais o mestre, o professor de filosofia.
Tal Psique, Lóri tem tarefas a cumprir até que esteja pronta para interagir com o outro. Ela faz uma longa viagem ao mais profundo de si mesma e chega a? conscie?ncia total do ser.
O conflito vivido por Lori é talvez o nosso conflito. Também de não ter clareza sobre quem somos, que lugar ocupamos no mundo, de onde viemos e para onde iremos na nossa morte. Essas são as tarefas que Lori terá que cumprir ao longo de sua jornada.
Ela que sempre se escondeu atrás da dor, da queixa e da vitimização deixando de viver plenamente, de sentir prazer em viver, terá agora que se desnudar de si mesma para encontrar a si própria. Não será uma trajetória fácil.
Ela precisará trilhar o caminho do autoconhecimento através da observação das coisas, da natureza, das pessoas e de si mesma. Ela precisa captar a beleza e a essência apenas com o toque, com o olfato ou paladar. É fundamental que valorize a vida nas coisas mais triviais e as viva intensamente e, assim, possa se descobrir e se reconhecer.
Precisa fazer esse caminho para se desapegar de suas crenças limitantes e da idealização de sentimentos e, por outro lado, a sua completa inaptidão para as coisas do corpo.
Entre as passagens desse imenso e gradual encontro, há imensas tardes em que Lóri e Ulisses simplesmente se mantêm em silêncio para “ser”, ou então uma manhã em que Lóri entra no mar nua e, finalmente, se descobre como parte desse todo que é o mundo. O todo e o ser – duas instâncias que a mulher precisa encontrar para revelar aquilo que lhe é próprio – seu prazer.
A Linguagem utilizada é simbólica. Por exemplo, o elemento água nos remete a limpeza e cura, a flexibilidade, a contato com emoções e sentimentos. Fala das reações das pessoas diante dos acontecimentos da vida. Primeiro as coisas precisam passar pelo emocional para depois serem elaboradas e internalizadas.
Vamos encontrar esse elemento em mais de uma cena. A primeira quando ela toma banho de mar, a segunda, quando ela toma banho de chuva e a terceira quando convida Ulisses para ir ao encontro dos pescadores no mar, por exemplo.
Tem uma cena que eu amo que é aquela que ela se maquila de forma exagerada, se arruma de um jeito que não é seu. Se veste para viver um personagem, uma persona. É a forma que ela encontra para não ter que lidar com o desconhecido.
A trajetória e o amor de Lo?ri e Ulisses superam todas as diferenc?as, o estranhamento, vence ate? mesmo a morte, ou o medo da morte. E a entrega finalmente fi?sica dos personagens aos desejos da carne, se realiza com uma forc?a descomunal de prazer, de e?xtase, de epifania.
Esse é um livro que a gente gosta ou não gosta. Não existe meio termo. É a forma que Clarice enxerga o mundo , ela é complexa até na simplicidade, ela é intensa nos sentimentos e na forma de traduzir seus pensamentos. Ler Clarice é sempre um desafio. E é o que acontece nesse livro. Ele é desafiante
A narrativa começa com uma vÃrgula, como se fosse a continuação de algo já iniciado, e se encerra com dois pontos, indicando que a estória prossegue, embora não apareça no livro.