Pós-Modernidade: uma questão em aberto
 



Pós-Modernidade: uma questão em aberto

por Maria Tereza Jorgens Bertoldi

Causa e efeito, não se pode imaginar a chamada sociedade pós-moderna sem a presença maciça de informações ou a intervenção constante dos meios de comunicação de massa na vida pessoal e social. Protagonista de um imenso debate nesta virada de século, a ideia de pós-modernidade prossegue sem deixar claro para muitas pessoas o que significa o fenômeno em realidade. Em termos concretos, a vasta bibliografia sobre o assunto ainda não apresenta um consenso. Alguns sugerem que a pós-modernidade representa um período de vida social; a mudança de uma época para outra e ainda a interrupção da modernidade, envolvendo a emergência de uma nova totalidade social, com seus princípios organizadores próprios e distintos; outros veem nela a ficção de uma imaginação acadêmica fértil, de uma propaganda popular enganosa ou de esperanças radicais frustradas. Torna-se, entretanto, pertinente e relevante aprofundar essa ideia porque ela nos conscientiza para uma série de questões importantes no que diz respeito às transformações tecnológicas, envolvendo as telecomunicações e o poder da informática; mutações nas relações de interesses políticos e o surgimento de movimentos sociais, especialmente os relacionados com aspectos étnicos e raciais, ecológicos e de competição entre os sexos; a globalização.

Nesse contexto, emerge a obra do sociólogo norte-americano David Lyon Pós-Modernidade - publicada pela primeira vez nos Estados Unidos em 1994 pela Open University Press – como proposta reflexiva à problemática do tema que não se esgota, ao que hoje se apresenta como um campo de estudos muito complexo. Para o autor, a pós-modernidade desperta nossa sensibilidade e nos impulsiona a perceber certos argumentos que devem ser explicados. Ao mesmo tempo, ele faz referências ao debate pós-moderno como uma dimensão cultural, consubstanciada nas artes, na arquitetura, na literatura, na música e no cinema. David Lyon distingue com exatidão a relação entre o pós-modernismo – quando a ênfase se dá sobre o cultural – e a pós-modernidade – quando o destaque recai sobre o social. Todavia, enfatiza que esses motivos se prendem à impossibilidade de separar o cultural do social, por mais desejável que o discernimento possa ser. Na afirmação do autor, a pós-modernidade também existe como uma ideia ou forma de crítica na mente dos intelectuais e nos meios de comunicação.

Referente ao pós-modernismo, o estudo de Lyon aborda alguns fatos importantes à sua compreensão. O primeiro fenômeno é o abandono do funcionalismo, a visão de que a ciência está construída sobre uma base firme de acontecimentos observáveis na filosofia da ciência. Além disso, o pós-modernismo questiona todas as premissas básicas do Iluminismo. Um segundo fenômeno é a consequente crise das hierarquias de conhecimento, de gosto e opinião e o interesse pelo local em lugar do universal. O terceiro fenômeno é a substituição do livro pela tela da TV, a imigração da palavra para a imagem, do discurso para a representação, ou, como os plásticos forjadores de palavras preferem, do logocentrismo para o iconocentrismo.

Lyon discorre uma visão de que a pós-modernidade é o esgotamento da modernidade. Para ele, ou uma nova espécie de sociedade está surgindo, ou um novo estágio do capitalismo está sendo inaugurado. Centrando sua atenção no tema em estudo, esse pesquisador examina duas questões cruciais para este debate: a proeminência das novas tecnologias de informação e comunicação, e o consumismo, talvez eclipsando a centralidade convencional da produção. O autor discute, ainda, as principais correntes do pensamento pós-moderno que elucidaram o debate sobre a pós-modernidade na virada do século vinte para o século vinte e um. Entre eles, Jean-François Lyotard, que define a pós-modernidade como a incredulidade com relação às metanarrativas. A Condição Pós-Moderna de Lyotard reflete um quadro de um mundo além do progresso. Lyon alerta-nos, porém, para o fato de que a questão em foco exige uma análise crítica mais cuidadosa, pois envolve um processo histórico em diversos outros aspectos.

Assim, o livro Pós-Modernidade, lançado no Brasil pela Editora Paulus, em 1998, volta à atenção para a ideia da civilização ocidental, através de consagrados filósofos e pensadores, a começar por Agostinho, bispo de Hipona, cristão do Século IV, cujas reflexões em A Cidade de Deus exerceram uma influência moderadora sobre o Ocidente, a depreciação da intervenção divina das leis de Deus, passando pelo niilismo de Nietzsche, que antecipa a pós-modernidade e alcança notoriedade por proclamar a morte de Deus. A obra que David Lyon oferece aos seus leitores procura mostrar que o social e o cultural estão intimamente entrelaçados. Para ele, os debates sobre a direção futura das tendências sociais – e globais – não podem ignorar as dimensões culturais. Nenhuma compreensão sólida da arte, da arquitetura, da literatura, da música ou do cinema contemporâneos pode ser adquirida sem algum sentido das mudanças sociais que ocorreram no fechamento do século vinte.

A Condição Pós-Moderna, hoje presente em vários campos da produção cultural, surgiu no Brasil, no início dos anos 1980. Seus debates iniciais aconteceram no campo da arte, arquitetura e comunicação. Provocou reações nos que viam aí um antimodernismo radical ou um ataque ao Iluminismo e ao potencial inovador e crítico da modernidade. O grande debate que David Lyon nos desafia envolve os mestres do pensamento, abre perspectivas à crítica do leitor. Sem dúvida alguma, o livro é um guia prático e crítico, mas polêmico a respeito deste debate-chave do nosso século.

 

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