Navegando o olhar através das imagens
 



Navegando o olhar através das imagens

por Maria Tereza Jorgens Bertoldi

Não há como negar que toda imagem tem uma história para contar, e que todas elas podem ser lidas e traduzidas em palavras, por mais insignificante que elas possam parecer aos olhos de um espectador comum. Partindo dessa afirmativa, o escritor argentino Alberto Manguel apresenta O Espectador comum: a imagem como narrativa, onde busca resgatar, a partir de vivências, lembranças e percepções, as imagens cujo sentido tendem a jogar, a representar e acompanhar o movimento da vida, do cotidiano e do tempo real, por meio dos quais tentamos transcender nossas competências cognitivas, ou lançar-nos a uma vida nova, como diz Gaston Bachelard. (2001, p.3).

Este texto, que compõe parte da obra Lendo imagens: uma história de amor e ódio (2003), de sua autoria, tem por finalidade proporcionar a todos aqueles que se dizem leigos na arte de interpretar (ou desconstruir) imagens uma análise em favor de uma pedagogia crítica, que seja capaz de contribuir para o entendimento de uma nova forma de contemplar o mundo através da leitura de imagens, como histórias à espera de um narrador.

Ao inteirar-se de uma situação como essa em que o universo das imagens é uma tendência cada vez mais abrangente e difundida, e que pode representar o mundo para o homem através dos artefatos culturais, Manguel não exagera quando descreve repetidas vezes aquelas imagens capturadas pela visão refletidas de algum modo nas numerosas e distintas imagens que nos rodeiam, uma vez que elas já são parte daquilo que criamos e formamos espontaneamente na imaginação, quer sejam pintadas, esculpidas, encenadas, fotografadas, impressas, ou ainda filmadas.

Mas será que qualquer imagem pode ser lida, interpretada, decodificada? Ou, pelo menos, podemos criar uma leitura para qualquer imagem? À luz dessas indagações, concluímos que qualquer imagem revela ao espectador aquilo que podemos chamar de narrativa da imagem, mediante a qual podemos reconhecer a experiência do mundo que chamamos de real, pois a imagem dá origem a uma história, que, por sua vez, dá origem a imagem. A narrativa, então, passa a ser transmitida por meios simbólicos, poses dramáticas, alusões à literatura.

Ao contrário das imagens, as palavras escritas fluem constantemente para além dos limites de uma página, apenas em frações ou resumos. As imagens, porém, se apresentam à nossa consciência instantaneamente, encerradas pela sua moldura. Só com o correr do tempo, é possível sondar mais fundo e descobrir mais detalhes emprestando palavras para narrar o que vemos no espaço de uma imagem.

Quando lemos imagens através dos artefatos culturais, atribuímos a elas o caráter temporal da narrativa, ampliando o horizonte limitado da gravura. As imagens tornam-se autobiográficas quando afloram reflexos das suas próprias emoções. Exemplificando a chamada síndrome de Stendhal, tomamos como referência o filme de Mel Gibson A Paixão de Cristo, cujas cenas dramáticas constituem um apelo constante à emoção. Quando tentamos observar imagens, elas podem nos parecer incompreendidas, visto que apresentam efeitos de múltiplas interpretações.

Leituras críticas acompanham imagens desde o início dos tempos para comunicar uma memória ou um aviso, para sermos humanos pela primeira vez. É certo que toda a imagem nada mais é do que uma pincelada de cor, um efeito de luz na retina, que dispara a ilusão da descoberta ou da imaginação. Essas coisas parecem estar além do alcance de uma criação, que resumimos nas palavras de James McNeill Whistler: “A arte acontece”. 

Refletindo sobre o texto de Alberto Manguel, O Espectador comum: a imagem como narrativa, somos enfáticos em reconhecer o movimento da vida, do cotidiano e do tempo real no universo das imagens relacionadas ao processo criativo. Por outro lado, concordamos com a recusa de Gustave Flaubert em afirmar que imagens pictórias reduzem o universal ao singular. Estas dicotomias conduzem-nos à visão de interpretações diversas nas formas e nos estilos das imagens, aliás uma característica da pós-modernidade. Do nosso ponto de vista, acreditamos que palavras escritas fluem para além do horizonte imagístico, ampliando o que seria limitado para o inesgotável texto de uma narrativa.

 

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