Diálogo com Hique Gomez
 



Diálogo com Hique Gomez

por Rafael Figueiredo

Para debater um pouco sobre o universo onírico dentro da construção poética, fui bater à porta da hiperbólica e itinerante Sbørnia, de Kraunus Sang e Maestro Pletskaya, onde fui gentilmente recebido por Hique Gomez. Hique é um artista de muitas faces, arranjador, ator, músico, produtor... e por aí vai. Sua trajetória artística começou cedo e se espalha pelas mais diversas áreas. E para aqueles que como eu tiveram a gratificante experiência de acompanhar ano após ano as temporadas de Tangos e Tragédias,é uma honra poder entrevistar esse icônico artista, que, além de tudo, transcende sua função nos palcos para uma postura de responsabilidade social, política e pedagógica. Assim, sem mais delongas, deixo a palavra com o querido Hique Gomez.

Hique, como se deu no começo a tua escrita?

Minha escrita como compositor vem do incentivo que tive de meus pais, pelo interesse que eles demonstravam pela música brasileira. Pelo interesse nos compositores, nos poetas. Eles me chamavam a atenção para as letras das músicas. Cantavam junto, me faziam aprender as músicas e celebravam semanalmente a cultura musical brasileira com saraus animados. Compus as primeiras canções com 15/16 anos, tentando seguir o estilo dos ídolos da família. Depois escrevi textos para algumas performances, incluindo textos de comédia para o Tangos e Tragédias e meus espetáculos solo.

O que veio primeiro: a letra, a música, as duas coisas juntas?

Uma ideia muitas vezes serve de nutriente para que as palavras surjam junto com uma melodia. Mas isso pode variar. Uma melodia pode dar à luz a palavras também.

Até que ponto a literatura influenciou e influencia na tua composição?

A literatura traz o amadurecimento do vocabulário para os compositores. Muitas vezes nota-se de cara quando o compositor não é adepto da leitura. Ele se repete em letras falando de amor perdido. “Eu te amo tanto e você me trocou por outro. Não vá... não me deixe...” Não há problema emescrever canções de amor, mas às vezes enche ouvir as mesmas coisas. A literatura alimenta a alma com situações inusitadas e com a criatividade dos escritores.Depois de ler Gabriel García Márquez, Luis Fernando Verissimo, Moacyr Scliar, Hermann Hesse ou Jack Kerouac a sua vida pode mudar. Os artistas nos trazem padrões de criatividade os quais podemos aplicar em nossa vida prática.

Quem são os teus autores preferidos?

Gosto muito do Moacyr Scliar. Compus uma música para violino baseada em um livro dele, "O Centauro no Jardim". Nele há um centauro que toca violino pelas coxilhas do planalto médio, próximo a Ijuí, e eu imaginei que a música seria aquela. Imagino que o centauro sou eu quando toco esta música nos shows.

Agora, sobre o universo da Sbørnia, poderia contar como surgiu essa ideia, no sentido de construção ficcional? Como ela foi sendo construída ao longo dos anos até chegar a este estágio  tão real para nós e que chega a se tornar uma referência geográfica para a música do Tangos?

Sim, foi sendo construída através dos anos. A cada ano temos novos detalhes de nossa querida pátria. Isso vai alimentando o imaginário do público com um número tão grande de detalhes que as pessoas conseguem imaginar algo bem complexo. Cada um tem uma Sbørnia montada dentro de si.Mas a Sbørnia começou servindo como um parâmetro crítico paranos referirmos à bagunça que é a política brasileira. Depois ganhou vida própria, mas segue servindo de espelho para a reflexão dentro do ambiente humorístico.

Como foi o processo de criação do projeto A Sbørnia Kontratracka?

Foi difícil porque o Nico é um artista gigante e deixou uma marca absoluta em nossas vidas. Tínhamos muito conteúdo criado que nunca havia entradono show. Com este conteúdo nós criamos um outro espetáculo que dá continuidade à Saga Sbørniana. Outros personagens surgiram e o universo da Sbørnia segue se revelando.

Por último, conta um pouco do livro Para Além da Sbørnia. Como surgiu a ideia e como ela se desenvolveu ao longo da escrita?

Surgiu do reconhecimento da fragilidade da condição humana. Ao perder um parceiro de trinta anos, tivea sensação de que uma história relevante deveria ser contada. Então me entreguei a tarefa de contar essa história com a minha voz, a partir do meu ponto de vista.São muitos relatos de bastidores ou de como as coisas foram sendo engendradas por nós e quais os elementos e que tipo de postura tivemos para que nossa trajetória se desenhasse desta forma original. Também porque na época em que paramos eu tinha mais anos vividos dentro do Tangos e Tragédias do que fora dele. Agora, em 2019, se igualaram os anos vividos dentro e fora do Tangos, são trinta anos para cada. Isso confunde-se com minha vida.Por isso há muitas referências de minha infância e dos meus pais, que foram os grandes incentivadores da minha carreira.

 

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