Antes de iniciar, mas já iniciando, confesso minhas dificuldades em acatar as regras. Todas, ou quase todas. No mÃnimo, muitas delas.
Em se tratando das regras de gramática, isso é agravado pela falta de forma-ção acadêmica nas letras. E torna-se agudo pelo espÃrito rebelde, que se identifica com dita-dos do tipo: “o verdadeiro mundo está além de suas portas”, “regras existem para serem quebradas”, “si hay gobierno, soy contra”, e assim por diante.
Uma dessas regras, absolutamente átonas, sem força, do tipo que só existe para ser desrespeitada — na minha rebelde opinião —, é aquela que diz: “não se inicia perÃo-do por pronome átono”.
Não faz muito tempo, em oficina literária, escrevi um conto que iniciava as-sim: “Nos conhecemos ao ingressar na faculdade.”
Para minha surpresa e tristeza — na época nem conhecia essa regra —, o professor iniciou sua análise dizendo que, além de iniciar um perÃodo por pronome átono, eu iniciara o conto dessa maneira. E explicou sobre a regra em questão. Eu ouvia calado, de inÃcio desapontado, mas depois com divertimento, ao ver a dificuldade de criar opções para dizer aquilo que foi dito, sem ferir a lÃngua culta.
Enquanto isso, o personagem do conto, narrador em primeira pessoa, me observava de canto de olho, também divertido com as sugestões apresentadas para dizer simplesmente: “Nos conhecemos ao ingressar na faculdade.”
Após o encontro, me debrucei sobre o assunto, pesquisando e também jo-gando a questão para grupos de escrita, indagando sobre o motivo substancial que justifica essa regra? As respostas vieram em duas vertentes, aqueles muitos que simplesmente repe-tiam que não se inicia perÃodo por pronome átono, mas também alguns poucos que diziam que as regras de linguagem podem — à s vezes devem ¬— ser relevadas na escrita.
De fato, tenho o sentimento de que escritores como José Saramago, Valter Hugo Mãe e Guimarães Rosa tiveram que romper as fronteiras das regras, tamanhas forças criativas.
De Oswald de Andrade, trago a preciosa lição na forma de poesia.
“Pronominais
Dê-me o cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro.”
Para não dar uma falsa impressão que proponho acabar com as regras, finalizo obser-vando que são poucos os escritores com essa capacidade espetacular de criar literatura de alto nÃvel rompendo essas amarras.
O caminho mais seguro será sempre escrever com um olho na gramática formal, respeitando os comentários de seu leitor crÃtico e correções de seu revisor.
Você, leitor e escritor, saberá bem escolher seu caminho, e, se quiser que-brar alguma regra gramatical, vá em frente. Posso assegurar que o risco de prejudicar seu texto é alto, mas é muito mais divertido.