Em homenagem ao Dia Mundial do Livro, decidi prescrever uma só obra literária. A ideia parece reducionista e contraindicada. Mas tem sólido fundamento. Com minha recente aposentadoria, o primeiro ato foi o de faxinar e organizar com algum critério prático as inúmeras estantes de livros de casa. E transpor os de literatura para meu gabinete, antes composto essencialmente por livros jurÃdicos - meus, do meu pai e do meu avô. Uma amiga de e para toda a vida, que reside há uns bons anos na Itália, veio me visitar e propôs o desafio quando mostrei, orgulhosa, minhas joias nas prateleiras: – Marta, indica só um deles para mim!
Lamentei deixar de receitar remédios sublimes para a alma, como meus preferidos romances, clássicos e contemporâneos, novelas, coletâneas de crônicas, contos, biografias dignas de nota. Só me resta confessar. Escolhi, sem titubear, o que mais transformou a minha vida. Ocorreu em dezembro de 2015, ao ser presenteada pelos assessores do Ministério Público, Gustavo e Vincenza. Está todo sublinhado e anotado: “A era do ressentimento”, do filósofo Luiz Felipe Pondé – foi o inaugural, li mais oito do escritor. E já adianto aos navegantes: indico, mas não empresto!
Esclarecimento: este livro não é para todo mundo - como, de resto, nada é para todo mundo. A prescrição é para a quem ainda não encontrou resposta para o sentido da vida e desconfia das falsidades postas como verdades neste mundo contemporâneo que finge ser melhor do que é. Trata do nosso ressentimento por acharmos que todos deveriam reconhecer em nós grandes valores que talvez não tenhamos. É sobre a dificuldade em lidar com nossas deficiências, falta de inteligência, fracasso, declÃnio fÃsico, frustrações. Trata de um dos maiores pecados contemporâneos: a inveja, essencialmente relacional. Inveja de quem é melhor do que nós. E não adianta tentar programar o cérebro para negar a dura realidade. Mas há esperança, sigam até o final, não vou dar spoiler. É começo sem volta, acreditem. Se gostam da verdade nua e crua, não resistirão em prosseguir com as provocações de Pondé.