Proponho uma reflexão aos cronistas. Desejaria muito saber se só a mim, ou a mais alguém (ou a todos), resta um desconforto quando o leitor diz pensar exatamente igual ao que está escrito. É dolorido falar disso. Penoso. Dramático. Na superfÃcie, parece desdenhar da qualidade – ou da capacidade – de compor uma sÃntese bem-acabada, uma opinião sensata, simples, lúcida. Redonda. Ou, pior, muito pior: desprezar o comentário generoso, o mais cálido dos carinhos, a solidariedade irrestrita. Complicado.
Ao martÃrio:
O fulcro é temer a sensação de ser pouco original. Caso se tenha escrito exatamente o que o leitor pensa, segundo ele próprio (quem somos nós para desdizê-lo), isto significa ser quase plagiador. Incapaz de oferecer um ângulo inédito, um viés desconhecido, um olhar incomum. Não arranhar a consciência alheia com uma mÃsera palavra. Caminhar uma lauda inteira e sequer imprimir pegadas. Correr rio abaixo feito tronco sem personalidade. Tivesse escrito ou não escrito, o leitor estaria onde já estava (e ficou). Isso não é ser reflexivo – é ser reflexo.
O que está ruim, porém, pode piorar: serem muitos os leitores a achar que a crônica é igual aos seus pensamentos. E o escritor, jurando ter marcas distintivas, fica com aquela cara de quem digitou de luvas, transou de camisinha (tão seguro quanto infértil), fumou mas não tragou. A voz se perde num coral monofônico. Resposta ao regente. Às circunstâncias, à previsibilidade, ao clichê. Atém-se à partitura do tempo. Não faz um solo, não põe um caco, desaparece. O mestre Assis Brasil, antes de ser escritor, foi músico de orquestra. E confessou a troca de papéis porque ao músico de quadro sobra pouco brilho: linda é a música, gênio é o autor, autoridade é o maestro. Nem o fraque distingue. Aliás, padroniza.
Antes de transparecer um texto soberbo, digo: não é. Ao contrário, garanto. Oferecer um ponto de vista original é um objetivo legÃtimo, mas isso não faz dele superior. Faz diferente. Pode ser uma visão obtusa, equivocada, absurda. RidÃcula. Pior do que a média. O problema é ser medÃocre – e esta é, ou deveria ser, a pulga atrás da orelha do cronista incensado à categoria de unanimidade. Uma pulga que cruzou com um grilo e se transformou numa consciência sacana.
E a� O que será melhor: o vertiginoso sucesso de refletir o arquétipo, ou, com chance de ferir suscetibilidades, cultivar uma pulga falante?