"Ser escritor é uma maratona, não uma corrida de cem metros"
 



Dica de Escrita

"Ser escritor é uma maratona, não uma corrida de cem metros"

Evelyn Marengo entrevista Bernardo Bueno


Todos os que gostam de ler e escrever têm curiosidade para saber sobre o processo criativo dos autores, como as ideias surgem, como a escrita se desenvolve. Para tentar desvendar um pouco esse universo particular dos escritores, iniciamos uma série de entrevistas, e esta primeira é com o escritor e professor de Escrita Criativa Bernardo Bueno.

Bernado é professor da Escola de Humanidades da PUCRS, onde leciona nos cursos de graduação em Letras e Escrita Criativa. PhD em Creative and Critical Writing pela University of East Anglia (Inglaterra), onde também atuou como professor assistente, tem diversos livros publicados, como: "Crianças Bem Conectadas", "Dias Lendários" e "Naná e Maria".

Escrita Criativa: Quais são as principais características que um bom autor deve seguir em sua opinião?

Bernardo Bueno: A mais importante e a mais difícil é acreditar no seu projeto literário. Querer ser escritor e continuar querendo, porque é uma maratona, não uma corrida de cem metros. É preciso persistência para chegar na primeira publicação e mais ainda para seguir escrevendo. Além disso, bons autores precisam ler e praticar bastante. Apesar da escrita em si ser uma atividade solitária, é importante encontrar sua turma. A gente escreve sozinho, mas aprende juntos. Estar próximo de outras pessoas apaixonadas pela leitura e pela escrita ajuda muito a manter a animação.

EC: Você como autor de livros tanto infantis quanto voltados para o público adulto, o que você acha da ideia de conseguir escrever para ambos os públicos? E o que você espera deles?

Bernardo: Eu me vejo como um escritor sempre em formação, experimentando. Isso reflete meus próprios interesses em meios e gêneros variados. Então, cada livro que eu publiquei foi de um gênero diferente, para um público diferente. Contos, romance, infantil, não ficção. Procuro pensar no livro que eu quero e preciso escrever, e acho que o livro vai encontrar seu público a partir daí. Referências na escrita brasileira são importantes para o questionamento do que está por vir na nossa cultura, aquilo que já foi produzido e serve de inspiração para nossas imaginações e produções artísticas. Como por exemplo o grande Assis Brasil, que além de grande autor é um exemplo no ensino de Escrita Criativa no país todo.

EC: Por que Assis Brasil é uma referência em ensino de Escrita Criativa no país todo?

Bernardo: O Assis foi um de nossos pioneiros na Escrita Criativa dentro da universidade. A oficina literária da PUCRS, liderada por ele, funciona sem parar desde 1985, e por lá passou muita gente que hoje tem uma carreira consolidada. Ele foi instrumental, junto com outros professores e professoras da PUCRS, para implementar o primeiro mestrado em EC no Brasil, e depois o primeiro doutorado. Graças a essa trajetória, conseguimos criar a graduação em 2016. Eu também fui aluno dele - na oficina e depois como orientando, então posso dizer que a receptividade, a dedicação ao ensino e principalmente a paixão dele pela escrita são características que me inspiram todos os dias. Esse "ecossistema" não existe em nenhum outro lugar no Brasil. Acredito que é algo de qualidade internacional, com toda certeza. A comunidade da escrita criativa da PUCRS e a paixão que todos sentem pela literatura são algo único, bonito de viver.

EC: É possível ensinar e aprender Escrita Criativa? Não é apenas uma questão de talento?

Bernardo: Não gosto muito da palavra "talento" porque reforça a ideia de um dom ou qualidade especial. Prefiro pensar em vocação ou interesse - uma vontade que a pessoa tem de ser escritora. E tem muita coisa que dá pra ensinar sim. Escrita é prática, leitura, exercício, experimentação. Dá para indicar livros, sugerir exercícios, explicar convenções, desde maneiras eficientes de descrever um personagem ou como formatar o diálogo. O resto é com o escritor ou escritora e vai depender do seu interesse e seu comprometimento com o aprendizado.

EC: Por que você acha que as pessoas têm essa crença de que não se pode aprender a escrever, mas pode se aprender a fazer música, por exemplo?

Bernardo: A diferença da literatura para outras artes é que quase todo mundo aprende a ler e escrever, enquanto para ser um músico ou artista plástico é preciso uma formação especializada. Então a escrita, por ser mais comum, parece ser mais fácil de aprender, e as pessoas acham que o que faz a diferença é algum tipo de talento. Mas isso é um erro. Seja de uma maneira informal, como reunir-se com amigos escritores para discutir seus textos, ou mais formal, como frequentar uma oficina literária ou cursos de graduação ou pós-graduação, é preciso estudar e praticar muito. Literatura é um tipo diferente de texto e sua construção não é feita da mesma maneira que a linguagem do dia a dia.

EC: Como professor, além de autor, quais meios de contar histórias mais te comovem?

Bernardo: Pessoalmente, adoro ver como os meios dialogam. O livro é o formato mais antigo, algo simples, porém infinito em possibilidades. Mas a literatura também inspira e é influenciada pelo cinema e a televisão, por exemplo. Como eu tenho uma trajetória de pesquisa na área da tecnologia, me interesso muito pelas narrativas em jogos digitais e as experiências únicas que elas proporcionam, considerando a dimensão da interatividade. Mas tudo volta pro livro: personagens lidando com seus problemas e as palavras conduzindo a imaginação da pessoa que lê. Cabe um universo numa página branca cheia de letras. Como professor, ele diz que o grande clichê é realista, "aprendo muito mais que meus alunos, então ensinar escrita é um jeito de continuar estudando".

 

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