Ao longo dos séculos XIX e XX, as redações estadunidenses criaram manuais de redação para uniformizar a forma como os textos eram feitos. O manual de redação, que acabou por se expandir e não ser restrito somente aos jornais e às revistas, é um guia que oferece dicas e orientações para quem deseja melhorar o texto. Assim, o manual fornece dicas de pontuação, ortografia, organização do texto, estilo e outros aspectos relevantes.
"As pessoas têm muitas dúvidas sobre coisas de escrita. Algumas coisas são questões de lei: ortografia, tem que ser daquele jeito. Algumas são convenção: pontuação, se o conto tem surpresa no final... Outras não são nem questões de lei, nem de convenção. O importante é ter um padrão. Então os manuais de redação vão tirar essas dúvidas", afirma o Prof. Marcelo Spalding, diretor do Curso Online de Formação de Escritores.
Entrevistamos os professores Neusa Demartini, Leandro Olegário e Paula Puhl para entender melhor o funcionamento dos manuais de redação. Neusa é formada em Jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) com mestrado em Marketing y Gestión Comercial - Escuela Superior de Estudios de Marketing e doutorado em Sociologia da Comunicação Política - Universidad Complutense de Madrid. Olegário é Doutor em Comunicação pela PUC-RS e autor do livro "Radiojornalismo e Síntese noticiosa", (Metamorfose, 2016). Já Paula é professora na Escola de Comunicação, Artes e Design - PUC-RS, local em que realizou sua formação acadêmica em Jornalismo.
Qual a importância de um manual de redação em um veículo de comunicação?
Neusa: Eu acho que a importância é dar, claramente, aos profissionais a linha editorial do meio, seja qual for. A partir disso é que o resto vai se desenvolver.
Olegário: Um manual de redação é de extrema importância em um veículo de comunicação, pois ele estabelece diretrizes e normas que orientam os profissionais na produção de conteúdo, além de dar o direcionamento editorial e ético na conduta dos jornalistas. Ele serve como um guia para garantir a qualidade, consistência e padronização do trabalho jornalístico. Além disso, o manual de redação ajuda a manter a credibilidade do veículo, assegurando a precisão e a confiabilidade das informações publicadas.
Paula: Tem papel fundamental na orientação para a produção de textos melhores, mais claros e eficazes. Fornece orientações para a produção de textos, ajudando a evitar erros comuns. O manual é visto como um recurso de referência e pode ajudar jornalistas a aprimorar suas habilidades de redação.
Quais os principais elementos que um manual deve elaborar?
Neusa: Feedback, ferramentas. Linha editorial é uma política predeterminada pela direção do veículo de comunicação ou pela diretoria da empresa que determina "a lógica pela qual a empresa jornalística enxerga o mundo; ela indica seus valores, aponta seus paradigmas e influencia decisivamente na construção de sua mensagem".
Olegário: Vale destacar... Estilo de escrita e linguagem adequados ao veículo; normas de ética e conduta profissional; critérios para seleção e verificação de fontes e dados; diretrizes para a organização da estrutura de uma matéria jornalística; políticas de correção de retificações; uso correto/crédito de imagens, vídeos e outros recursos visuais; diretrizes para lidar com questões sensíveis, como privacidade, difamação e sensacionalismo.
Paula: Acredito que elementos que sirvam para orientar a produção de textos, como: gramática e ortografia; estilo de escrita; etc. Pode fornecer também informações sobre recursos úteis para a redação, glossários e guias de estilo, relacionados com o veículo.
Como um manual de redação pode conciliar a necessidade de rapidez para publicar uma notícia com a garantia de qualidade e precisão?
Neusa: Pra mim, isso é fundamental. Até para o profissional se autodeterminar e não cair no erro de querer impor sua ideologia.
Olegário: O manual pode estabelecer a importância da verificação dos fatos antes da publicação, mesmo em situações de urgência e orientar sobre a checagem de informações em múltiplas fontes confiáveis. Ele pode, também, incentivar a comunicação interna eficiente entre os profissionais envolvidos, permitindo a aprendizagem da rotina e procedimentos jornalísticos, além da eficaz revisão antes da publicação.
Paula: Sendo objetivo e sucinto nas informações e ser de fácil acesso para os jornalistas (versão online), por exemplo, e com tópicos bem claros para ajudar na busca das informações.
Como um manual de redação pode ajudar a garantir a imparcialidade e a objetividade dos jornalistas ao cobrir eventos e questões controversas?
Neusa: A mídia europeia e americana têm isso bem definido. No Brasil, os profissionais pensam que podem furar o bloqueio da linha editorial e se dão mal. O meio procura neutralidade, mas, dentro de sua visão ideológica, dá maior ou menor destaque ao fato, e até seleciona o que acha importante divulgar.
Olegário: Definir critérios claros para a escolha de fontes e a atribuição equilibrada de espaço para diferentes pontos de vista; incluir diretrizes para a separação clara entre notícia e opinião; incentivar a revisão interna e a análise crítica do conteúdo produzido para identificar possíveis vieses e assegurar a objetividade.
Paula: O manual precisa trazer por exemplo: diretrizes éticas e princípios jornalísticos fundamentais, destacar a importância da verificação de fatos e o uso de fontes confiáveis, entre outros parâmetros que colaborem para um texto mais imparcial que traga a escuta de diferentes pontos de vista.
Algumas dicas práticas
A obra "Manual de Redação" da Folha de São Paulo, um dos jornais mais tradicionais do país, teve diversas edições publicadas. O manual é uma ferramenta valiosa para quem escreve e deseja aprimorar suas habilidades. Com ele, é possível tirar dúvidas de forma rápida e eficiente. Destacamos abaixo alguns itens do Manual de Redação da Folha de S. Paulo que podem ser úteis para quem quer padronizar sua escrita de não-ficção ou mesmo de ficção, segundo Marcelo Spalding.
Estrangeirismo
- A palavra estrangeira, na sua forma original, só deverá ser usada quando for absolutamente indispensável. O excesso de termos de outra língua torna o texto pretensioso e pedante. E não se esqueça de explicar sempre, entre parênteses, o significado dos estrangeirismos menos conhecidos.
- Se a palavra ou expressão não tiver correspondente em português, porém, ou se este for pouco usado, recorra então ao termo estrangeiro, que vai no mesmo corpo do texto e não em destaque: stand by, hardware, entourage, apartheid, smoking, zoom, slide, holding, shopping center, marketing, joint venture, outdoor, funk.
- Não empregue no idioma original palavra que já esteja aportuguesada. Assim, uísque e não whisky; conhaque e não cognac; recorde e não record; chique (ou elegante) e não chic; caratê e não karatê; cachê e não cachet; tarô e não tarot; videopôquer e não videopoker, etc.
- Sempre que houver equivalente em português, prefira-o ao estrangeirismo: cardápio e não menu; pré-estréia e não avant-première; adeus e não ciao; escanteio e não corner; cavalheiro e não gentleman; frequentador e não habitué; senhora e não lady ou madame; encontro e não meeting; senhor e não mister; impedimento e não off-side; primeiro-ministro e não premier; assalto e não round; padrão e não standard; fim de semana e não week-end; desempenho e não performance.
- Mesmo que você as julgue muito conhecidas, traduza sempre as citações em língua estrangeira: "Après moi le déluge." ("Depois de mim, o dilúvio.") "Alea jacta est." ("A sorte está lançada.") "To be or not to be: that is the question." ("Ser ou não ser: eis a questão.") Neste caso, use aspas.
- A não ser em textos especiais, e mesmo assim com parcimônia, evite ao máximo o uso de expressões estrangeiras (a exemplo das palavras de outras línguas), limitando-se apenas aos casos mais comuns: in memoriam, sine die, sine qua non, causa mortis, grand monde, tour de force, sui generis, honoris causa. Pense, no entanto, que nem todos os leitores saberão o significado de locuções como: à clef, à outrance, ad hoc, nec plus ultra, urbi et orbi, struggle for life, in partibus, et pour cause, rempli de soi-même, off the records, honni soit qui mal y pense. (...)
Números
- De um a dez, escreva os números por extenso; a partir de 11, inclusive, em algarismos: dois amigos, seis operadores, 11 jogadores, 18 pessoas. Exceção: cem e mil.
- Proceda da mesma forma com os ordinais: primeira hora, terceiro aniversário, 15.ª vez, 23.º ano consecutivo.
- Não inicie orações com algarismos, mas escreva o número por extenso: Dezoito pessoas feriram-se no acidente. Sempre que possível, porém, mude a redação para não ter de escrever o número por extenso. Exceção: títulos, que podem começar com algarismos.
- Escreva os algarismos, de 1.000 em diante, com ponto: 1.237, 14.562, 124.985, 1.507.432, 12.345.678.543, etc. Exceção. Na indicação de anos não há ponto: 1957,1996, ano 2000.
Título
- Procure sempre usar verbo nos títulos: eles ganham em impacto e expressividade.
- Para dar maior força ao título, recorra normalmente ao presente do indicativo, e não ao pretérito: Israelenses e palestinos assinam (e não assinaram) acordo de paz / Reitor chama (e não chamou) polícia para poder trabalhar.
- O Estado não usa títulos com ponto. Assim, estão vetados exemplos como estes: O Metrô reconhece que errou. E pune seus funcionários / O Brasil joga. Para buscar a classificação.
- Nos textos noticiosos, o título deverá obrigatoriamente ser extraído do lead; se isso não for possível, refaça o lead, porque ele não estará incluindo as informações mais importantes da matéria.
- Use inicial maiúscula apenas na primeira palavra do título e nos nomes próprios: Ministro pode ser indiciado / Pacifistas fazem protesto diante da Casa Branca.
- Não use ponto de interrogação nos títulos. O leitor tem direito a respostas.