Nenhuma moeda
 



Contos

Nenhuma moeda

Bianca Maria Gaspar


Nunca pegue nada que você encontrar no chão. Nenhuma moeda, nota de dinheiro, tampinha ou o que quer que seja. Nada. Nunca. Minha mãe sempre me ensinou isso desde que me entendo por gente. Acontece que ela perdeu sua irmã de um jeito bem estranho e por isso detesta que façamos isso. Um dia, curiosa, depois de muito insistir, perguntei a ela novamente o que tinha acontecido, e ela, sem olhar diretamente nos meus olhos narrou a seguinte história.

Em uma manhã chuvosa, ela e sua irmã, que costumavam ir a pé para a escola, andavam calçada conversando, chutando poças de água, rodopiando, quando Francisca viu algo brilhando no chão.

- Teresa, olha que bonita.

As duas meninas pararam um tempo para vê-la. Era grande, prateada e estampava um rosto juvenil, de um garoto. Do outro lado, o mero valor de dez centavos.

- Eu quero.

- Não, é minha. Eu que achei.

A briga continuou até que ambas chegaram na escola. Francisca guardou na mochila e a rotina a fez esquecer completamente o assunto. Passaram-se as aulas daquela manhã, o recreio, as tarefas, a chegada à casa, o almoço, até as brincadeiras daquela tarde.

À noite, Francisca não quis comer e foi para a cama direto, meio zonza. Na manhã seguinte não pôde ir à escola por causa de febre. Apesar dos esforços da família, dos médicos e dos parentes, a febre não cedia com o passar dos dias e, a cada dia, Francisca ficava mais pálida, magra e debilitada.

Em uma tarde, ao lado de Francisca, Teresa notou algo estranho. Ao olhar de relance ao espelho que ficava ao lado da cama de ambas, as meninas perceberam um vulto passando. Aos gritos, Teresa correu chamar a mãe, mas não tinha mais nada pra mostrar.

Aos poucos, a escuridão começou a tomar conta da casa a ponto de todos notarem. Os vultos nos espelhos, as manchas escuras nas paredes. A tristeza foi tomando conta de todos até o dia em que Francisca faleceu.

- Mas, mãe, o que tem a ver com a moeda?

Nessa hora minha mãe desconversou e saiu da sala e para continuar seus afazeres na cozinha. Deixei para lá essa história. Até o dia em que fuçando nas gavetas de minha mãe encontrei uma moeda. No lado da coroa, a marca de dez centavos. No lado da cara, uma menina.


Bianca Maria Gaspar formou-se em Ciências Biológicas e atua como professora da rede particular de ensino do estado de São Paulo há 5 anos. Desde a infância, dedica-se à leitura, passando as suas horas vagas viajando pelo mundo imaginado por outros escritores. Em 2023 resolveu dar uma chance ao seu sonho de ser a criadora de seus próprios mundos e, para isso, faz o Curso de Formação de Escritores na Metamorfose.

 

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