Maya
 



Contos

Maya

Norma Chie Wakizaka


O sol ofusca os olhos que ficaram tanto tempo dentro do apartamento. Mãe e filha anseiam por um pouco de calor e ar fresco. Nunca o céu pareceu tão azul, sua presença quase invisível foi sentida, gritantemente, na pandemia que assolou a Terra e a história contemporânea.

A quarentena castigou, o isolamento foi duro, as perdas incontáveis e a infância suprimida.

Encontrar amigos, dar um abraço, estalar um beijo, andar de mãos e braços dados... nem pensar! PROIBIDO!! Tem multa e prisão domiciliar. O lema daqueles dias era: "fique em casa". Senão, o bicho pega.

Por isso, Maya e sua mãe desceram felizes para o litoral, antecipando o verão.

Liberdade! Esta é a sensação diante da imensidão do mar e do céu.

Vida! Respirar, coisa tão simples que aprendemos instantaneamente ao nascer.

Ar fresco! Respirar sob as máscaras, coisa tão complexa que aprendemos penosamente na pandemia.

O mar convida para celebrar a vida e as ondas cutucam os pés da garotinha.

- Ahahaha. Que gelado. Faz cosquinha nos meus pés.

Nas areias, um rastro sinuoso parece uma trilha de amarelinha, salpicadas de conchas de todos os tamanhos e cores. O coração de Maya saltita com os pés, pulando o caminho das conchas, uma via láctea marinha! No final da amarelinha, o céu e o mar.

Na imensidão da água, duas faixas cor de rosa reluzem atordoando os olhos. Rosa-choque e bolinhas pretas. Será uma melancia?

É Maya, de biquíni novo. Do verão passado para cá ela cresceu mais um tantinho na sombra da quarentena. Sua palidez contrasta com o rosa.

Mãe e filha parecem duas crianças, rindo e pulando as ondas. Uma onda maior pega de surpresa e elas gritam, rasgando as ondas. Um grito de alegria.

Atrás da dupla passa uma lancha a todo vapor, com dois bombeiros salva-vidas, cortando as ondas. Barcos e lanchas brilham como prata, alinhados numa trilha invisível entre Guarujá e Riviera. Com tanto espaço no mar, se espremem numa única rota, como se estivessem na avenida Paulista.

Nenhuma ave marinha, só uma asa-delta corta o céu, planando como uma borboleta gigante. Logo depois um helicóptero segue para Riviera. Algum passageiro famoso?

Para animar o congestionamento aéreo, uma pipa solitária vai subindo, as franjas tremulando ao vento.

Na areia, outro abarrotamento terrestre: pipocam pessoas, caminhando pela orla, deitados como jacarés, imensidão de barracas com guarda-sóis coloridos como frevo, crianças correm e brincam desvairadamente.

Um carro da prefeitura desloca silenciosamente entre os agrupamentos, driblando entre os transeuntes, sem poder andar em linha reta, segue pela areia molhada, patrulhando o que, eu não sei... Seus ocupantes com máscaras de exército olham, taciturnos, os banhistas sem máscaras e sem distanciamento, que parecem dizer:

- A brisa, o sol e o sal carregarão todos os males para o mar...

Maya e sua mãe, saltam outra onda e a sonora gargalhada segue mar adentro.


Norma Chie Wakizaka passou a infância no interior de SP, entre fazendas e granjas, brincando em mangueiras e goiabeiras, correndo nos córregos e nas estradas de terras.

Sem acesso a livros, cresceu ouvindo histórias e causos.

Gostou tantos dessas conversas que virou historiadora e professora, agora contando as fofocas das Histórias aos meus alunos.

Colecionou tantas histórias e causos que começou a registrar e escrever, dando voz aos anônimos da vida.

Participa do Curso Online de Formação de Escritores.

 

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