Primos
 



Contos

Primos

Melissa Souza Jeronymo


A casa onde nos reuníamos no verão tinha uma diminuta cozinha e uma mesa de carretel de madeira no centro da sala, rodeada por sofás de alvenaria, onde passávamos a madrugada entre jogos e comilança. A singela e singular moradia foi palco de inesquecíveis e inestimáveis acontecimentos em família.

O quintal era amplo, onde a salsa da praia rastejava sobre os montinhos de areia bege, exibindo suas flores roxinhas ora aqui e ali, ao longo dos seus braços de folhas verdes, entre os arbustos de pitanga anã. Ao canto, próximo ao muro cinza de placas de concreto, onde camaleões fugiam do estilingue ou da espingarda de chumbinho do meu primo, havia uma pilha de troncos da obra, onde subíamos, destemidos.

Mesmo com o mar imenso lá fora, nos banhávamos no tonel de água com barro ao fundo, um ofurô de lama medicinal, que só tinha efeito curativo para nossa alma pueril. Era o motivo do desespero do meu avô, que ralhava, incrédulo, sempre que nos encontrava disputando a vez no mergulho, no barril da construção.

Minha vó gritava toda manhã para que acordássemos cedo, mas dormir até tarde nas férias era lei. Ao meio-dia levantávamos e só íamos à praia após o almoço.

Aquela sensação de ardência da pele ao sol da tarde, a areia grossa na roupa de banho e a água salgada que bebíamos toda vez que nos misturávamos às quebradas das ondas, tinham a cara do verão.

Minha prima, mais velha, estava sempre arrumada. Enquanto eu descabelada com os pés descalços, desfrutava da liberdade que só a infância consente.

As cigarras nas casuarinas anunciavam o fim da tarde e eram muitas; tantas que o canto ressoava fazendo eco nas paredes, abandonadas, de uma ruína próxima da Marinha.

- Vamos catar umas cigarras? - perguntou meu primo, enquanto voltávamos para casa após o banho de mar, com uma risada de quem sabia que só aprontava.

- Vamô! - respondi, convencida de que seria uma ótima ideia.

Uma a uma, fomos colocando-as na sacola plástica. O zumbido era ensurdecedor. Em casa, após colocarmos todas no quarto da minha tia, ficamos quietos, aguardando o resultado de nossa arte, as cigarras também caladas, em perfeita cumplicidade.

O barulho veio logo depois, assim que minha tia entrou no aposento. Os gritos confundiam-se com o canto das asas dos insetos, enquanto o bando emaranhava-se entre seus cabelos ondulados. Corri para fora de casa com medo e pena, enquanto meu primo ria da maldade infante.

Ele pagou, sozinho, pelo ocorrido, sua fama o precedia. Eu estava no quintal, sentada na pilha de troncos, observando o esplêndido céu de estrelas daquela noite quente de verão, quando ele passou chorando, levando as cigarras para fora.

No dia seguinte ele acordou cedo e foi cumprir sua pena. Quando a tarde já se despedia eu tomava sorvete, ele ainda trabalhava na obra.


Melissa Souza Jeronymo tem 48 anos, nasceu em Campos dos Goytacazes RJ. Estudou na faculdade de Medicina de Valença, especializando-se, posteriormente, em pediatria e dermatologia. Durante toda sua vida desejou escrever, apaixonada por contos e poemas. Vive na cidade de Petrópolis RJ, onde aprecia a natureza e adora fazer trilhas. Gosta de astronomia, filosofia e música. Mãe de Gabriel, Enzo e Ana Clara. Participa do Curso Online de Formação de Escritores.

 

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