"A viagem no tempo é apenas uma bela metáfora do nosso inconformismo com o imponderável"
 



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"A viagem no tempo é apenas uma bela metáfora do nosso inconformismo com o imponderável"

entrevista com Helio Brauner


Viagens no Caos e teorias do tempo, o livro de estreia de Helio Brauner, é um livro com narrativas futuristas e realidades alternativas que falam de conflitos atemporais e problemas atuais. Viagens no tempo, robôs humanoides, exploração interplanetária, criaturas estranhas e cenários apocalípticos servem de pano de fundo e desculpa para abordar criminalidade, drogadição, desagregação familiar, solidão, armamentismo, religião, obsessões, inconformismo e inquietação com a realidade.

Nesta entrevista, Hélio fala sobre a escrita do seu livro em particular e da literatura fantástica em geral.

Como você definiria o livro Viagens no Caos e teorias do tempo?

É um livro com narrativas futuristas e realidades alternativas que falam de conflitos atemporais e problemas atuais. Viagens no tempo, robôs humanoides, exploração interplanetária, criaturas estranhas e cenários apocalípticos servem de pano de fundo e desculpa para abordar criminalidade, drogadição, desagregação familiar, solidão, armamentismo, religião, obsessões, inconformismo e inquietação com a realidade. Com um tanto de loucura, às vezes de forma sombria, outras vezes em tom de farsa, tentei colocar em todos os contos minha predileção pela ironia.

Por que a escolha desse título?

O título do livro é um exemplo da Teoria do Caos e me foi sugerido por meu professor numa oficina literária há alguns anos. Como as interações humanas são parte de um sistema muito complexo, é impossível saber, por exemplo, que variáveis o levaram à ideia de inverter duas palavras no título do conto que li em aula e o que me fez aceitá-la a ponto de dar esse nome a meu primeiro livro. O certo é que não foi aleatório, embora pareça. Provavelmente, a coisa era mesmo inevitável a ponto de chamarmos de inspiração, algo associado a uma intervenção sobre?humana, mas que, no fundo, como tudo, é o resultado lógico da coincidência única de variáveis em um ponto do tempo e do espaço. Se recebesse a mesma ideia de outra pessoa ou em outro dia ou lugar, o livro poderia ter um nome diferente. É a isso que eu chamo de Viagens no Caos e Teorias do Tempo.

Quais suas referências e influências literárias?

Até os quatorze anos eu praticamente só havia lido versões infanto-juvenis de Júlio Verne e Homero, mas adorava filmes, desenhos e séries de ficção-científica, fantasia e mitologia. Filmes dos anos 50 e 60 como Jasão e os Argonautas, Viagem ao Centro da Terra, A Máquina do Tempo, Fahrenheit 451 e Uma Sombra Passou Por Aqui povoaram minha imaginação numa infância um tanto solitária de filho único e órfão de pai. Mas só fui ler os livros de H.G. Wells e Ray Bradbury e as versões originais da Odisséia e de Júlio Verne depois de adulto. O primeiro livro de contos que li na vida, aos quinze anos, era uma coletânea de Arthur Clarke e isso me fez conhecer as histórias curtas com finais inesperados. Na adolescência, as distopias de Aldous Huxley e George Orwell tornaram minhas visões de futuro depressivas e os finais trágicos predominaram nesta época. Já os contos de Edgar Allan Poe tornaram a própria linguagem depressiva e passei a usar os narradores não confiáveis em primeira pessoa. Isaac Asimov foi uma fase bem longa como leitor. Ele é com certeza o autor que mais li e inspirou principalmente as histórias de robôs, mas como escreveu sobre quase todos os temas do gênero, é difícil dizer até onde sua influência vai. Após ler seus livros, minhas tramas passaram a ser mais lógicas e mais precisas do ponto de vista científico. Quando passei a frequentar oficinas literárias há uns dez anos, acabei lendo Borges e Júlio Cortazar, quando deixei um pouco a ficção-científica e me dediquei mais ao insólito e aos limites entre realidade e loucura, um tema que sempre me fascinou também em Philip K. Dick, conhecido de filmes como Blade Runner e O Vingador do Futuro, outro autor li tardiamente. Por fim, por indicação do professor e dos colegas de oficina li Raymond Carver, Chekov e outros especialistas em narrativas curtas, já que no jogo de esconde-esconde entre autor e leitor, típico do conto, eu tinha uma tendência a ser ou prolixo ou obscuro, sem acertar o ponto certo entre texto e subtexto. Espero que os leitores concordem que melhorei nisso. Olhando para trás, sem dar esta lista como definitiva, ouso dizer que cada um desses autores e obras que citei tem sua parcela de culpa no resultado deste livro, seja na estética, seja na temática.

Este é seu primeiro livro, certo? Desde quando você planejou em fazer um livro de literatura fantástica?

Nos anos 80 peguei tudo o que eu tinha escrito de ficção especulativa até então, montei uma brochura e mandei para algumas editoras que publicavam no Brasil meus autores favoritos do gênero. O manuscrito foi recusado, é claro, mas lá estavam as primeiras versões de sete contos que agora estão sendo publicados nesta coletânea em parceria com a Metamorfose. Depois disso, tive de ganhar a vida, passei anos fora de Porto Alegre e escrevi pouco, até começar a frequentar a oficina literária do professor Charles Kiefer em 2012. Para as leituras em sala de aula muitos daqueles contos foram reescritos, mas outros ainda aguardam na última cópia amarelada da brochura que ainda guardo. Depois disso, durante os últimos dez anos, me vi no dilema de apostar naqueles textos e em outros que escrevi depois, ou mudar o rumo da minha prosa. O resultado deste dilema foi que dos seis contos que consegui publicar em diversas coletâneas desde 2012, dois podem ser considerados de terror, três eram tramas reais e cotidianas e apenas um era de ficção-científica, aliás, o único vencedor de algum concurso. Quando concluí o curso de formação da Metamorfose, no entanto, o Marcelo Spalding me aconselhou a insistir na literatura fantástica e, assim, chegamos a este livro com treze contos que considerei prontos.

Como você vê a literatura fantástica e futurista hoje?

Os desafios, assim como as oportunidades, são os mesmos da literatura em geral: o mundo digital, diverso e multimídia de hoje.

Livros, filmes, séries, quadrinhos e games já não são produtos estanques. Eles conversam e trocam elementos entre si de forma intensa e exitosa, diferente de décadas passadas, graças ao barateamento da produção digital. As possibilidades estéticas disso são inúmeras e competir apenas com palavras quando a interatividade está aí para aguçar os sentidos de forma imersiva, exige a capacidade de instigar o leitor com a engenhosidade do texto para surpreendê-lo, ao mesmo tempo que deve tratar de temas atuais relevantes e pertinentes com uma linguagem capaz de atingir o maior número de pessoas. Filmes e séries tem demonstrado esta capacidade e a fantasia, o terror, a ficção-científica, as distopias e o insólito tem conseguido sair de seus nichos tradicionais e até invadido a categoria de arte que quase sempre lhe era negada nos círculos canônicos. Em termos de literatura, porém, por si só um mercado mais aferrado a seus cânones, tirando o sucesso financeiro e influência cultural das extensas franquias como Harry Potter e As Crônicas de Gelo e Fogo, as inúmeras trilogias adolescentes e os autores que sempre transitaram bem entre as mídias como Stephen King e Neil Gaiman, temos visto o abnegado trabalho de muitos autores mais ou menos conhecidos e resilientes editoras se arriscando no mercado.

A diversidade, por sua vez, é uma questão crucial deste início de século e traz seu nível de exigência a uma literatura surgida no Hemisfério Norte, em plena revolução industrial, e por mais de um século, com raras exceções, centrada em autores e personagens masculinos, caucasianos, heterossexuais e de língua inglesa. Nos últimos anos, porém, temos visto mais e mais mulheres e pessoas LGBTQIA+ assumindo o protagonismo nas tramas e na produção literária, apesar do domínio ainda ser dos homens e muitas dessas pessoas e personagens serem vítimas de ataques preconceituosos por uma parcela reacionária do público tradicional do fantástico.

Da mesma forma, abordagens étnicas e culturais periféricas, no sentido de que lidam com realidades fora do eixo Europa-Estados Unidos, tem tido seu espaço no mercado. Se o movimento Cyberpunk que marcou as décadas de 80, 90 e ainda tem presença em todas as mídias, foi de longe o mais bem sucedido das últimas décadas, inspirando-se na cultura oriental e na arquitetura futurista de Tóquio e Hong Kong para criar distopias cibernéticas, com uma certa perplexidade entre receosa e admirada do Ocidente em relação à invasão tecnológica do Japão e dos Tigres Asiáticos, mais tarde também da China, e a voracidade de novas corporações globais que adotavam o método Toyota em linhas de produção fortemente automatizadas e tinham a Arte da Guerra como livro de cabeceira de seus executivos, por outro lado, apesar do Pantera Negra e de Wakanda existirem nos gibis desde os anos 60, movimentos como o afrofuturismo, que começou mais ou menos pela mesma época do cyberpunk, tem tido mais visibilidade fora de seu nicho recentemente, construindo mundos e universos onde magias ancestrais, mitologias, tradições e linguagens de origem africana convivem com distopias cyberpunk ou histórias alternativas de empoderamento de nações africanas e pessoas negras que deixam para trás os papéis coadjuvantes, subservientes ou exóticos que sempre tiveram nas narrativas fantásticas, quando não eram totalmente excluídas.

No Brasil, já podemos há algum tempo nos ver em viagens no tempo e óperas espaciais, ter nossa própria história e folclore como fonte de realidade alternativa, distopia, terror e fantasia, ao invés de apenas emularmos temas e personagens estrangeiros com falas brasileiras.

Para descontrair um pouco, você acredita na possibilidade de viajar no tempo?

Na verdade, nós já viajamos no tempo, sempre adiante e um segundo por vez. No entanto, voltar atrás e desfazer tretas ou dar uma espiadinha no futuro, é algo que só podemos imaginar. Comprovadamente, como previu Einstein, podemos dilatar o tempo se atingirmos grandes velocidades, um bom truque para enganar o relógio, mas que não compensa pelas tantas coisas que deixaríamos de viver só para encontrar um futuro que provavelmente não entenderíamos, com grande chance de não gostarmos dele, e sem possibilidade de volta para usar esse conhecimento em nosso próprio tempo.
Para mim, em resumo, a viagem no tempo é apenas uma bela metáfora do nosso inconformismo com o imponderável, do desejo que às vezes temos de voltar uma casa e rolar de novo os dados ou olhar as cartas que vem em seguida no baralho. Mas, se fosse possível recarregar o dia de ontem quando as coisas não vão bem ou dar uma espiada nos números da megasena de amanhã, seria a maior trapaça do Universo e tiraria boa parte do mistério e do prazer, embora, pudesse valer a pena, se permitisse salvar quem desse para salvar e pouca gente tivesse acesso antecipado aos números da megasena.

Hélio Carlos Brauner nasceu em São Leopoldo/RS, em 26 de agosto de 1963. Formou-se no Colégio Militar de Porto Alegre em 1980. Graduado em Pedagogia e Administração de Empresas, após uma breve carreira de professor, ingressou no Curso de Administração Postal dos Correios, empresa onde se aposentou com mais de trinta anos de serviço. Atualmente, dedica-se a inventar histórias nas longas horas vagas. Frequentou as oficinas literárias do professor Charles Kiefer (2011-2014) e o Curso de Formação de Escritores da Metamorfose (2020-2021). Foi primeiro colocado na categoria Autor Nacional no IV Concurso de Contos Vicente Cardoso - 2014 e Menção Honrosa no 28º Concurso Paulo Leminski - 2017. Tem contos publicados em seis coletâneas.

 

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