Era 2014, acho, e lá vinha eu da aula de teatro, domingão à noite, smartphonando. À época, recém-professora da Educação Básica, precisava de uns escapes, aí grudei no teatro e no Whatsapp.
Blá blá blá pra lá, blá blá blá pra cá, virei a esquina de casa totalmente no automático, a cara grudada no celular, digitando. Quando senti que andava em direção ao muro de uma residência, levantei a cabeça para adequar a caminhada e olhei em volta.
A rua em que eu morava era tranquilíssima durante o dia, à noite então, solidão absoluta. No entanto, num tiro, um adolescente vinha de bicicleta ao meu encontro: aquele milésimo de segundo no qual a certeza baixa. Sim, eu ia ser assaltada.
Animalesco, meu cérebro jorrou adrenalina no corpo magrelo e berrou "Corre". Estupidozinho meu guia: não havia mais tempo. Rapidamente, me vi imprensada contra a parede, a bicicleta fazendo o serviço de prisão.
- Passa o celular, passa o celular - dizia o garoto.
Creio que a professora em mim falou mais alto, afinal o adolescente tinha a idade dos meus alunos, e comecei a negociar:
- Se eu te der o celular, você devolve o meu cartão de memória?
- Passa o celular, passa o celular - ele apressava.
- Eu te dou o celular, mas só se você devolver meu cartão de memória.
A negociação durou algum tempo que não sei precisar, enquanto isso ele puxava o celular para tirá-lo da minha mão e eu o puxava de volta solicitando, com falsa firmeza, o meu cartão de memória. No processo, o celular era disputado a duas mãos que o puxavam ora pra cima, ora pra baixo.
Em dado momento, o garoto cedeu e aceitou minhas condições desde que eu aceitasse as dele: ia sair com a bicicleta, ao que eu não poderia ir atrás; jogaria o cartão de memória mais à frente e, quando ele sumisse, eu poderia buscar o cartão. Cedi e entreguei o objeto de tantas delongas.
O espertinho, no entanto, voou com a bike claramente sem intenção de me devolver o cartão. Ah, ceguei na hora e saí correndo atrás da bicicleta falando alto:
- Ô menino, devolve o meu cartão, tem textos meus aí.
Ele voando.
- Ei, meu cartão! - Eu insistia.
Ele voando e eu correndo atrás, agora já quase num lamento alto:
- Menino, devolve o meu cartão, tem texto importante aí, tem provas. - E o ultimato: - Sou professora.
Ao ouvir o vocábulo "professora", o assaltante deu meia volta com a bicicleta e retornou em minha direção num raio.
"Tô muito fudida, muito", pensava, tremendo com cada celulazinha medrosa do meu corpo.
Então ele abriu a boca, e eu na névoa do instante congelado.
- Pega seu celular, moça. - Ouvi - Pega e vai com Deus, vai.
Atônita, olhei para o garoto que meneava a cabeça e me encarava com um meio sorriso e cara de dó. É claro que eu peguei rapidamente meu telefone e dei as costas pra ele, fazendo a superior; por dentro, até meus complexos, inclusive os de Golgi, tremilicavam. Aí entrei em casa e me permiti desabar depois do susto.
Mas ora, ora! Quem diria que ser professora no Brasil ia fazer com que eu salvasse de um assalto o meu primeiro smartphone?
Daniele Prado, formada em Letras e pós-graduanda em Escrita Criativa. Atualmente leciona na Educação Básica e escreve.
Professora por ofício, escritora de alma. Participa do
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