Marô Barbieri, atual patrona da Feira do Livro de Porto Alegre, é uma referência no Estado não só entre os que escrevem e contam histórias para crianças como também para os escritores independentes em geral. Uma das primeiras a publicar, divulgar e vender seus próprios livros, foi presidente da Associação Gaúcha de Escritores por seis anos e lutou pela profissionalização e valorização do trabalho do escritor. Alheia ao preconceito que existe tanto com autores de literatura infantil (bem menor agora, segundo a própria autora) quanto com autores independentes, construiu uma bela carreira de quase três décadas.
Nesta entrevista, Marô traz dicas preciosas para quem deseja escrever para crianças e conta um pouco da sua experiência como patrona da Feira do Livro.
O que te inspirou a começar escrever para crianças?
Há bastante tempo atrás, apresentei um projeto de Introdução à literatura nas Séries Iniciais do I Grau no Colégio João XXIII (onde trabalhei por quase 30 anos). Este projeto me permitiu conviver quotidianamente com crianças do 1º ao 4º ano e conhecer bem as características e especificidades das diferentes faixas etárias. O trabalho semanal com as 16 turmas me permitiu perceber que eu era uma boa mediadora de leitura e uma boa contadora de histórias. E foi nesta convivência - e com o auxílio das ilustrações do meu filho Luís Felipe - que fiz a Tinoca Minhoca, personagem e história que tem encantado várias gerações. Foi o começo de muitas outras histórias, totalizando 28 livros até agora.
Ainda existe preconceito com a literatura infantil?
Muito menos do que quando comecei. Verdade que no início das publicações voltadas ao universo infantil, encontravam-se textos bem medíocres. Mas a qualidade foi melhorando à medida em que mais e mais autores qualificados se dispunham a investir neste segmento. Hoje em dia, penso que temos ótimos exemplos de excelência em textos de literatura infantil e juvenil. Atualmente talvez permaneçam algumas restrições, mas de parte de segmentos que ainda acham que fazer literatura de verdade seja apenas escrever romances...
Quais conselhos você daria para quem quer escrever literatura para crianças?
Respeite seu(sua) pequeno(a) leitor(a), oferecendo a ele(ela) textos verdadeiramente literários, onde o trabalho do artista da palavra seja percebido, onde a função poética da palavra apareça.
Alguns autores e estudiosos dizem que o bom livro é para qualquer idade. Mas não podemos negar que há algumas especificidades do texto infantil, não acha? Que especificidades seriam essas, na sua opinião?
Concordo totalmente com a ideia de que um texto de boa qualidade é feito para qualquer leitor. O que talvez tenhamos que observar é como contar a história, facilitando sua compreensão. Metáforas difíceis de serem interpretadas, por exemplo, são uma das dificuldades. Outra especificidade diz respeito a uma certa delicadeza na apresentação das temáticas. Pode-se falar com a criança sobre perdas, morte, tristeza, depressão, etc, mas é preciso saber colocar a questão de modo equilibrado, respeitando a capacidade de compreensão do leitor.
Embora muitos autores de literatura infantil não leiam livros para crianças, sabemos que ler livros infantis é fundamental para o bom autor de literatura infantil ou juvenil. Que livros você indicaria para quem está começando?
Haveria uma infinidade de bons títulos. Só pra constar, alguns clássicos:
As mentiras de Paulinho Fernanda Lopes de Almeida
Marcelo, marmelo, martelo Ruth Rocha
A fada que tinha ideias Fernanda Lopes de Almeida
E já me desculpando por não poder nominar todos indico a leitura de um grande grupo de autores gaúchos: Jane Tutikian, Christina Dias, Caio Riter, Dilan Camargo, Hermes Bernardi, Celso Sisto (que não é gaúcho, mas é como se fosse), André Neves, Heloísa Bacichette, Valesca de Assis, Gláucia de Souza... Enfim, muitos outros.
Você é uma grande contadora de histórias, reconhecida nacionalmente. É importante para um autor de literatura infantil conhecer técnicas de contação de histórias?
Não acho que seja necessário. O texto oral é uma arte do tempo, acontece no momento em que se narra e a preocupação é de que conduza a história de modo eficiente. Além disso, na contação, a relação autor/ouvinte se faz também por outros canais: a voz, o gesto, o olhar, a dinâmica corporal. Na escrita literária, se conta apenas com uma boa estrutura sintática e com uma pontuação correta para despertar a sensibilidade do leitor. A relação que talvez possa existir está na fluência necessária para prender o ouvinte e o leitor à narração. No entanto, é preciso observar que a contação de histórias ressurgiu no Brasil (e no mundo) com bastante força e vários contadores resolveram colocar suas histórias em livros, alguns com maior, outros com menor capacidade e talento para a escrita.
Na sua opinião, este momento política atual, de polarização e preconceito, dificulta o trabalho do escritor em sala de aula?
Sem dúvida. Qualquer restrição que não escolhida pelo próprio autor só pode prejudicar a liberdade de criação e de expressão. Para quem não concorda com o conteúdo de um texto basta fechar o livro, ou criticá-lo de modo civilizado.
Em 2019, você foi escolhida como Patrona da Feira do Livro de Porto Alegre. Foi uma surpresa para você? Como foi a experiência?
Foi uma das maiores alegrias da minha vida profissional. Foi o reconhecimento do trabalho que venho desenvolvendo há décadas. A quase totalidade das pessoas que vieram conversar comigo e me felicitar referiram ter participado ou ter acompanhado alguma(s) destas atividades: formação de leitores, formação de mediadores de leitura, organização de seminários e encontros, patronato de feiras, palestras, enfim, minha imersão consciente e determinada no campo da educação e da cultura. Além disso, no imaginário cultural da maioria das pessoas de Porto Alegre e de muitos municípios, a Feira do Livro é uma festa que todos(as) amam e respeitam. Foi uma honra e uma alegria representar todos aqueles que batalham pela leitura, pelo livro e pela literatura.