Contos
Segunda-feira
Rafaela Chor
Era domingo, e aos gritos da criançada, a Vila dos Ipês ganhava vida na praça principal. Às quatro da tarde, como de costume, Helena sentava-se na cadeira de balanço na sacada de seu sobrado para fazer palavras-cruzadas e admirar o movimento de longe, enquanto bebia um gole de café preto.Os jovens desciam rua abaixo com seus carrinhos de rolimã, mães levavam seus filhos para brincar no parquinho e conversar com outras mães sobre qual filho fez primeiro o quê, e como eles eram incríveis por tais habilidades.
Do outro lado da rua vinha um casal nos seus sessenta e tantos anos andando juntos até o banco ao lado da árvore com frutinhas, essas, que até hoje ninguém sabe dizer o que eram. Eles se sentaram, e ali ficaram lendo livros ao som da meninada correndo e do sorveteiro tocando sua buzina freneticamente para manter seu ganha pão.
Helena abaixou suas palavras-cruzadas e trocou olhares com a senhora, que também abaixou seu livro. A velha, sem alarmar o marido, disse que iria colher folhas secas para ornamentar a casa enquanto ele esfregava os bigodes e terminava de ler Tolstói.
A moça da varanda entrou em casa e apressou-se ao irem direção ao portão dos fundos, trancado com cadeado. Ela, com mãos trêmulas, não se sabe se é por conta da idade avançada ou das palpitações que sentia, abriu-o com dificuldade e esperou.
Andando depressa e olhando para trás para ver se não havia sido seguida, a velha encontrou Helena no portão, ainda ofegante. As duas se olharam, trocaram os sorrisos encarcerados durante a semana toda e tocaram os rostos uma da outra com as mãos castigadas pelo tempo.
Com um breve beijo nos lábios, se cumprimentaram e se despediram.
A velha caminhou de volta para o banco onde seu marido a esperava e ele mal havia levantado o rosto das páginas do livro que o encobriam. Helena sentou-se na cadeira e balançou. Aquela cadeira só balançava aos domingos. Com os olhos marejados, a velha abriu-lhe um último sorriso clandestino que perduraria até a outra semana.
O velho pegou a mão de sua esposa e juntos foram embora. Os carrinhos de rolimãs já não desciam mais a rua por conta dos joelhos ralados e lacerações mal cicatrizadas. As habilidades das crianças já haviam deixado de ser novidade para as mães. O sorveteiro havia abandonado
a buzina e sentou-se no banco da praça para contar suas notas de dois reais.
Todos se preparavam para mais uma segunda-feira.
Rafaela Chor é Artista visual, escritora e atriz. Escreve canções desde os sete anos que logo tomaram o formato de poesias. Autora e ilustradora do livro A Poesia Carnal da Mulher, foi premiada como Melhor Revelação Literária no ano de 2018 na cidade de Sorocaba. Seja através da pintura, escrita ou música, considera a arte sua maior aliada para abordar temas como feminismo e empoderamento LGBTQ+.
Website- www.rafaelachor.com
instagram- @arte.chor
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