Contos
Natal de aluguel
Lourença Lou
No canto da sala, uma enorme árvore cheia de bolas e luzes coloridas. Na porta, um Papai Noel e sua rena. Toda a casa brilhava em verde e vermelho.
Neli andava de um lado para outro. Ora mexia nas luzinhas, ora recolocava os presentes debaixo da árvore. Olhava o relógio e voltava a consertar um dos enfeites da sala. Seu marido, recostado no sofá, assistia a um programa na televisão. Quando a campainha tocou, correu para a porta, seguida pelo marido.
Ficou olhando o menino nos braços de sua filha. Os cabelos eram cortados bem rentes. Apenas uma sombra escura na cabecinha redonda. A pele de tão negra, brilhava. Miúdo para seus quatro anos. Tomou-o em seus braços. Ele a olhou. Olhos assustados. Depois olhou para o homem. Deu um pequeno sorriso e virou-se para dentro da sala.
Desceu do colo de Neli e ficou parado olhando as luzes. Devagar, foi para perto da árvore colorida. Sentou-se. Abraçando o corpo, sorria e se balançava. Os olhos, enormes no rosto magro, passeavam entre os de Neli e o grande embrulho colorido ao pé da árvore.
– Vá. Pode pegar os presentes.
Lentamente ele se abaixou. Com cuidado, pegou o embrulho e levou-o a um canto da sala. Pararam todos para olhá-lo. Ele sorria. Entre suas perninhas surgiu um grande caminhão de bombeiros. Bateu palmas. Depois as pequenas mãos começaram as descobertas: luzes se acenderam, a sirene gritou e o caminhão saiu de dentro do seu pacote.
Abriu todos os outros presentes, com um grande sorriso. Ora brincava com os carrinhos, ora tocava o teclado com força. Ria alto a cada vez que apertava o cachorrinho de pelúcia e ele latia. Neli o chamou para cear. Não quis. Os olhos, mãos, todo o corpo estava naqueles brinquedos coloridos e barulhentos. Dormiu cercado por eles.
Levou-o para a cama. Acariciou sua cabeça, beijou-lhe o rosto e ficou a olhá-lo por alguns momentos. Depois, fechou devagar a porta do quarto e limpou duas lágrimas. Foi para a frente da imagem do Menino Jesus e fez o sinal da cruz. Em voz baixa, rezou o pai-nosso e agradeceu pela noite.
No dia seguinte, seu marido o levou. Olhinhos brilhantes, sorriso largo, com o caminhão no colo, acenou para Neli. Não viu as lágrimas que deixou para trás.
Lourença Lou à s vezes é prosa, outras poesia, sempre encantada com quem faz literatura. Formou-se em Letras pela UFMG e pós graduou-se em administração escolar.Foi publicada em várias coletâneas de poesia, crônicas e contos, e algumas vezes no Livro da Tribo. Publicou os livrosEquilibrista (2016), Pontiaguda (2017), Náufraga(2018), todos de poesia, pela Editora Penalux onde publicará, no inÃcio de 2020, mais um livro de poemas. Tem projetos de publicar, também em 2020, pela Editora Arribaçã, A face oculta do amor e outros contos.
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