Certa manhã, depois de ter buscado água no poço, ateado fogo na lenha e colocado o leite e a chaleira na chapa do fogão, Maria sobressaltou-se ao escutar a voz gritada de sua patroa, a dona Estela.
- Maria! Maria!
Apressada Maria puxou a toalha para enxugar o rosto e ver logo o que era, pois a dona da casa não suportava demoras.
Maria comia, vestia e dormia em troca de afazeres domésticos. Tinha fé que logo tudo voltaria ao normal, confiava na promessa de sua mãe. Mas até lá, tinha que ter paciência.
- Sim, dona Estela, o que a senhora quer?
- Não se faça de tonta! - gritou. - Onde está a xícara?
- A xícara? Que xícara, senhora?
Estela franziu a testa, encarou a menina e apontou o lugar vazio dentro da móvel. Ela costumava guardar na cristaleira as peças de maior valor. No caso, a xícara pertencera a sua vó e ela tinha zelo especial por este objeto.
Maria puxou o ar com força e o segurou nos pulmões, os olhos se arredondaram.
- Mas, senhora, a senhora sabe que não mexo na cristaleira. A senhora é quem espana o pó, não me deixa nem chegar perto.
- Pois é, mas a xícara da vovó Lourdes sumiu! Onde está? Vamos, diga!
- Mas como posso dizer se não sei?
- Vá chamar Amelinha.
Amelinha estava no banho se preparando para ir para a escola. Maria a ajudou com a roupa e disse:
- Tua mãe quer falar contigo.
Já na cozinha, depois de um sonoro bom dia, Amelinha se sentou à mesa.
- Amelinha, minha flor querida, você viu quando Maria abriu minha cristaleira?
Quando ouviu a pergunta da mãe, Amelinha servia o leite na caneca, e ao fixar seu olhar em Maria, não percebeu que a bebida transbordava na toalha.
- Ora, que desastrada que eu sou!
Ligeiro, limpou o líquido com o guardanapo.
- Então, Amelinha? Ainda ontem a xícara da vovó estava ali. Você viu quando Maria abriu a cristaleira e pegou a xícara?
Amelinha se levantou apressada e colocando o casaco foi saindo e dizendo:
- Mamãe, estou atrasada! Não vi nada, mamãe, pergunte pra ela.
Assim que virou as costas, a menina sorriu e saiu sem nem dar o costumeiro beijo em sua madre.
Maria esperou dona Estela tomar o café, como era costume, para então poder se servir. Assim que pegou a caneca, assustou-se com novo grito.
- Pare!
Maria parou e olhou para a dona da casa esperando alguma ordem.
- Enquanto você não falar onde colocou a xícara, não vai tomar café da manhã!
A pequena postou-se na frente da pia para lavar a louça, Estela saiu da cozinha, e só então a menina deixou as lágrimas banharem suas bochechas firmes e rosadas. Depois foi arrumar os quartos. Começou pelo de Amelinha. Enquanto dobrava e alisava as roupas da outra, pensava: Queria tanto ir para a escola junto com ela. Depois esticou a coberta no colchão e, por fim, enrolou na vassoura um pano úmido para passar no assoalho. Embaixo da cama, sentiu arrastar algo, ajoelhou-se e curvou o pequeno corpo para espiar o que era. Puxou, com a delicada mão, um embrulho feito com um pano velho. Vagarosamente o abriu. Para sua surpresa, deparou-se com os cacos da tal xícara. Suspirou aliviada e sorrindo correu para fora do quarto
- Senhora, senhora! Veja.
Diante da patroa, Maria desfez o sorriso. A consciência lhe trazia paz, mas sentiu receio quando estendeu as mãos para dona Estela. A xícara, falou a menina quase em voz apagada. Ao ver os fragmentos do objeto deitados em cima do trapo, a patroa vociferou:
- Ah, muito bem, espertinha! Olha o que você fez! Acha que me trazendo estes cacos vai tomar o café? Você não devia ter mexido na minha cristaleira.
- Mas, senhora
- Não tem mas nem meio mas. Ficará um mês sem o café da manhã!
Maria baixou os olhos e saiu para colocar os cacos no lixo, como havia lhe pedido dona Estela.
***
Marlene Netto, gaúcha, artesã, contadora de histórias, ama ler e escrever. Estreiou como autora em 2018, participando do livro de contos "Transgressões". Está sempre em busca de aperfeiçoamento realizando cursos relacionado com a oralidade e a escrita. Participou do
Curso Livre de Formação de Escritores da Editora Metamorfose.
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