Véspera de Natal, pelas 9 horas da noite.
A famÃlia está reunida: pai e mãe, os animados filhos e filhas, as elegantes noras, os palradores genros, os irrequietos pequenos netos. E, ainda, o neto rapazote e uma mocinha magricela, olhos amendoados. E, claro, o fofudo gato, enrodilhado no tapete da varanda.
A mesa acabou de ser posta e a mãe sogra avó chama:
- Ô, pessoal, a ceia está na mesa.
A mocinha de olhos amendoados e o neto maior estão aconchegados no sofá da sala de estar dedando sem parar nos celulares. Não escutam o chamado. Não se mexem do lugar.
O pessoal vai se dirigindo para a sala de jantar. Cada um se ajeita na grande mesa. A criançada faz balbúrdia até se acomodar nas cadeiras. Mãe avó volta a chamar:
- Pedro e Mônica, vamos, estamos esperando.
Pedro é o neto. Mônica, a mocinha namorada de olhos amendoados. Pai avô pede:
- Desliga a televisão da sala, Pedro.
O parzinho aparece, os olhos ainda grudados nos celulares. O pai de Pedro:
- Ei, vocês, chega. Agora, é atracar-se no peru.
O peru está no meio da mesa, dourado, cheiroso, esperando para ser devorado. Sandro, irmão do pai de Pedro, fala rindo:
- O peru não é nem um pouco digital.
Um dos genros, o Chico:
- Meu estômago também não.
O pessoal ri. A pequena loirosa neta Juliana está apressada:
- Manhê, quero daquele arroz cheio de frutinhas.
A mãe dela:
- Calma, Ju, já vai.
O pai sogro avô pede silêncio e fala:
- Vamos primeiro agradecer.
A mãe sogra avó, compenetrada, puxa uma reza de agradecimento pelo alimento que aqui temos e pela bela reunião de famÃlia nesta véspera de Natal. O genro Chico não cansa de fitar o dourado peru. O neto Pedro e a namoradinha tinham colocado os celulares ao lado dos seus pratos. Enquanto a mãe avó agradece, continuam de olhos fixos nas telinhas escurecidas e parecem estar imersos na rede do uótizapi, nem um pouco acompanhando a serena reza e nem sequer atraÃdos pelo cheiroso peru e pelos outros manjares.
A reza ia a meio, e o celular da Mônica magricelinha toca. Num gesto automático, ela agarra o aparelho, vê quem está ligando e atende:
- Oi, mãe.
Pedro, apreensivo, a cutuca:
- Mô!
A mãe avó para a reza. O pai avô, sério, diz:
- Desliga. Estamos em reza.
Mônica, antes de desligar, ainda fala:
- Ligo daqui a pouco.
A nora de cabelos esverdeados, mãe de Pedro, que parece não simpatizar muito com a namorada do filho, murmura pelo canto dos lábios:
- Que coisa!
O pai de Pedro, meio sem graça, pede desculpas:
- Desculpa, mãe e pai. Depois vou ter uma conversa com esses dois.
Juliana, a netinha loira, não perde a chance:
- Dá um xingão.
Os outros dois menores, o Bernardo e o Artur, se remexendo nas cadeiras:
- Ééé!
O pessoal não aguenta e ri. Mônica, um tanto envergonhada, desliza as pestanas sobre as amêndoas dos seus olhos, recolhe o celular e o esconde sob a mesa. Pedro também. A mãe sogra avó retoma a reza e a encerra com um bom apetite. O pai sogro avô complementa, desejando um feliz natal para todos.
E a ceia começa, com o dourado e cheiroso peru sendo desdigitalizado por aquela alegre famÃlia reunida.
***
Sérgio Schaefer nasceu em Santo Cristo, RS, a 6 de outubro de 1946. Casado com Ivone Dullius, é pai de quatro filhos, Rosana, Luiz Fernando, Eduardo e Eliana. Desde 1980, reside em Venâncio Aires, RS. Graduado e pós-graduado em Filosofia, é doutor em Letras, leciona atualmente no Departamento de Ciências Humanas na Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) e no Mestrado em Letras (UNISC).
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