A campainha tocou e ele foi se arrastando até a porta. A prótese da cabeça do fêmur era recente e doía um pouco. A campainha tocou novamente, com insistência. Ele então gritou:
- Já vai ! Já vai! Estou chegando!
Quando abriu a porta, era uma bela jovem. Calculou em torno de 25 anos. Ficou sem palavras. Lembrava-lhe alguém do seu passado de glórias. Mas afastou a ideia maluca. Não poderia ser ela, era muito nova.
- Sim, moça? Qual o carnê que eu não paguei? - falou tentando ser engraçado.
Ela irradiava uma luz muito forte, com um sorriso franco mostrava todos os dentes. A casa escura se iluminou. Novamente lembrou-lhe alguém do passado. Afugentou o pensamento recriminando-se por estar ficando velho e tendo visões.
Ela entrou sem pedir licença. Com passo firme e determinado, transpirava confiança e foi logo perguntando:
- O senhor é o Otávio? Otávio Mangabeira?
- Sim. Por quê?
- Lembras de Graziela Morais? - emendou a pergunta de supetão.
- Como poderia esquecer? Eu a conheci na década de noventa, no Bar Opinião. Depois perdi o contato. Fui para Abu Dabi trabalhar. Quando voltei a procurei por um tempo sem sucesso. Depois desisti.
- Ela era minha mãe. Faleceu no mês passado. Antes de morrer me revelou que tu és o meu pai.
- Eu? Por que ela nunca me disse?
- Ela era muito orgulhosa e esperava que a procurasse. Ela sempre te amou. Me criou sozinha esses anos todos. Não se casou esperando por ti.
Era muita novidade para uma manhã só. Faltou-lhe o chão dos pés e a taquicardia chegou forte, dando-lhe falta de ar. Procurou disfarçar, mas não conseguiu e caiu pesadamente no sofá. Aquele domingo era o Dia dos Pais, talvez ela tenha escolhido a data de propósito. Ironicamente, o primeiro da sua vida de solteirão irrecuperável. Como tornar-se pai assim de forma tão abrupta?
Mas aquela moça morena e bonita como a mãe era sua filha. Estava diante dele, e não sabia como abraçá-la. Ela, vendo-o tão fragilizado, esqueceu-se por um instante da raiva e do ressentimento. Deu-se conta de que era o último pedaço da sua família. Abraçou-o. Ele custou a corresponder. Ainda não sabia que nunca mais seria o mesmo.
***
Luis Alberto Saavedra nasceu no Uruguai (1949), formou-se em Ciências Contábeis em 1976 e em Ciências Jurídicas em 1986 pela PUC. Aposentou-se como Procurador da Fazenda Nacional. Participa do
Curso Livre de Formação de Escritores da Editora Metamorfose.
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