Contos
Iogurte de morango
Cláudio Mércio
Daria uma resposta até o final do dia. Prazos. Entendia de prazos. Era lógico que a cada 30 dias a conta de luz fosse paga ou que ele recebesse o salário. Era tipo uma troca: eu recebo, eu pago. É aquela história do olho por olho, dente por dente das aulas de catequese quarenta anos antes. Alguns deles eram inaceitáveis ou, pelo menos, duvidosos. Começava com esse prazo de final do dia. Era às cinco da tarde ou seis? O final do dia é o início da noite?
Lembrou também da encheção de saco que era conferir o prazo de validade de todos os produtos no supermercado e calcular em que dia ia beber o iogurte de morango. Válido até 19. Certo. Vou beber na próxima semana, na quarta-feira, quando levantar atrasado para o trabalho e não tiver tempo para esquentar o leite, colocar uma colher e meia de café solúvel e adoçante. O iogurte de morango foi para o lixo depois de derrotar meia dúzia de ovos no campeonato de permanência no refrigerador.
Se já ter um prazo era ruim, para ele era pior ainda quando tinha o tal prazo prorrogado. A prorrogação de um prazo era o santo protetor de todos os incompetentes. A irritação começou quando ainda estagiário e o chefe disse que caso não cumprisse a tarefa poderiam negociar uma prorrogação de prazo. Primeiro trabalho sério e o chefe já o via como um incapaz. Que deem prorrogação de prazo para a vida do sol! Leu no jornal que o sol vai morrer em sete bilhões de anos, terminando sua vida como uma estrela anã branca.
Prazo, tempo, limite, vencimento, fim. Daria uma resposta até o final do dia. E qual é o prazo para a Coca-Cola ficar sem gás? E para a tinta da caneta Bic secar? E o do goleiro para decidir para qual canto pular na hora do pênalti? E do gago para completar a frase? Qual é o prazo para o carimbo do prazo de validade do iogurte de morango desaparecer?
Olhou pela janela e viu os filhos do vizinho chegando da escola. Final do dia. Voltou a pensar no pai e no prazo da vida. Prazo sem prorrogação. O pai, que nem ele, gostava tanto de iogurte de morango. Que nem ele, deixava o prazo do iogurte vencer.
O telefone tocou.
- O senhor tem que decidir. Não dá mais para esperar.
- OK, cremem o corpo do meu pai.
***
Cláudio Mércio é professor de jornalismo em Porto Alegre. Doutor em Comunicação. Baterista quando não está lendo ou pensando sobre as injustiças do mundo. Escritor de pequenas histórias.
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