Está tão confortável aqui no meu apartamento. Bebo uma taça de Lambrusco. Estou jogada no sofá; na mesinha ao lado, o resto da pizza. A moça da pizzaria deve pensar que sou uma solteirona solitária, sempre peço pizza individual, de apenas um sabor. Já cogitei ligar para outro restaurante, mas concluí que a opinião dela não valeria o trabalho. Além disso, a pizza é boa.
Na TV, um episódio de Friends. Parei de prestar atenção, perdida em minhas conjecturas. Quem precisa de companhia depois que inventaram o Netflix? Acompanhar a vida de personagens fictícias me parece mais interessante que a vida real.
Olho novamente para meu celular. Na tela, a mensagem de uma hora atrás: Você não vem?. Ainda não respondi. O convite foi inusitado. Eu não tinha percebido as atenções voltadas para mim. Uma pergunta tola aqui, um comentário inocente acolá, parece que vai chover hoje, o café está horrível, você gosta de almoçar naquele restaurante do outro lado da rua? Vamos juntos para a festa da empresa? Respondi que ia pensar, que não sabia se poderia ir. Avisaria quando decidisse.
Talvez ele fosse uma pessoa agradável, de conversa fácil. Poderíamos beber um pouco, rir juntos e fazer comentários maldosos sobre as chefias. Eu fingiria estar bêbada e o convidaria para vir até meu apartamento. Ele elogiaria a vista da minha varanda, perguntaria se era nascente ou poente e se ficava muito quente no verão. Bisbilhotaria minha estante de livros e tentaria adivinhar quem sou com base no que leio. Eu lhe ofereceria vinho barato e mentiria que só gosto de bebidas doces, como se ainda tivesse o direito de bancar a garota inocente. Quando acordássemos, caminharíamos juntos até a padaria, onde tomaríamos café da manhã, contendo os risinhos a cada lembrança da noite anterior.Ele passaria o domingo comigo, apesar de dizer a todo momento que precisava ir embora.
À noite, a inevitável despedida, seguida da expectativa da manhã seguinte, no escritório. O medo do constrangimento, a ansiedade do reencontro. Ele me chamaria para almoçar e eu aceitaria. Um convite para o cinema na quinta à noite selaria nossa cumplicidade. Uma subida à serra no fim de semana, dois dias inteiros de frio, vinho, romance e sexo. As vindas ao meu apartamento se tornariam constantes e eu também passaria a frequentar a casa dele. Viriam as perguntas sobre o passado. Por que o primeiro casamento acabou? Nunca tiveram filhos? Ainda tem contato com ele? Por que você evita sua mãe? Você não vai me apresentar a ela? E aquelas palavras jamais proferidas, embora se escondessem por trás de todas as outras: o que há de errado com você?
A mensagem continua na tela do celular, gritando comigo, exigindo resposta. Apago-a. Volto a saborear meu Lambrusco e a assistir à minha série. Como é confortável meu apartamento.