Medidas
 



Diálogos

Medidas

Marcelle Santos Vieira


— Então, mãezinha. É o seguinte. São três parâmetros principais que avaliamos neste exame, além de precisar a idade gestacional do seu feto. A gente confere se existe o osso nasal, se o fluxo sanguíneo no coração apresenta normalidade e se o tamanho da nuca do bebê está dentro do intervalo aceitável. Sendo assim...

— Ah, sim, por causa da nuca, né? Só agora que entendi o sentido do nome do exame, translucedência nucal. Não é assim que chama?

— Não, mãezinha. O correto é translucência nucal.

— Ah, bem. E o que o doutor ia dizer?

— Então, mãezinha, o bebê passou nos dois primeiros critérios de avaliação que citei antes. Mas no que tange ao tamanho da nuca, o valor considerado aceitável da medida teria de ser no máximo até dois milímetros, sendo que o ideal é postar-se igual ou menor à marca de um milímetro e meio. No caso do seu feto, a nuquinha dele mediu cinco milímetros.

— Aham. Aqui, você está chamando toda hora o neném de ele, é porque vai ser menino, então? Uma amiga minha disse que aqui já se fala o sexo do neném nesse exame agora, por isso que vim e paguei pra saber de uma vez. E a questão da nuquinha é coisa boa ou ruim? Não entendi.

— Para ser bem sincero, mãezinha, a nuca aumentada indica uma provável, ou melhor, uma grande probabilidade do seu feto possuir uma cromossomopatia. Isso significa que ele pode nascer com uma síndrome. A mais comum, a senhora já deve saber, é a síndrome de Down.

— Misericórdia. É certo isso mesmo, doutor?

— Este exame não costuma falhar não. A precisão dele é alta. Pode haver algumas falhas, mas é muito raro que isso aconteça.

— Nossa... não consigo nem falar nada agora. Desculpa. Só estou chorando porque a gente nunca espera ouvir isso. Acho que eu que passei isso pra ele, porque já estou com trinta e sete. Quando a mulher é mais velha é maior a chance do neném nascer com probleminha, não é?

— Veja bem, mãezinha. Complicado. Temos que ser objetivos e racionais. Identificando cedo uma cromossomopatia, o ideal mesmo seria você interromper a gravidez. Você é ainda uma mulher relativamente nova. A senhora é casada?

— Não, sou sozinha na vida, como sempre fui.

— Então, mãezinha. Se já é muito complicado para casais que ainda estão juntos criarem filhos com problemas, imagina sozinha? Num mundo tão caótico como o que vivemos, vai ser muito sofrimento para você. Olha, se quiser, hoje mesmo podemos dar um jeito nisso. O parâmetro da nuca é certeiro. Em quase noventa e nove por cento dos casos ele acerta. Não acredito que no seu caso vai ser diferente. Ainda mais porque tem o fator da sua idade a considerar também. À tarde estarei em meu consultório, fica com meu cartão. Você pode ligar para a secretária assim que sair daqui, marca um horário com ela e faço um preço em conta para a senhora. Posso parcelar também, se preferir.

— Doutor, me fala uma coisa aqui. Neste exame não se mede cretinice não, né? Porque se medisse isso na época da sua mãe, imagino que seus parâmetros teriam dado só zero. Uma pena sua mãe não ter te interrompido enquanto era tempo. O mundo seria um lugar bem melhor para o meu filho viver. Acabou? Quero muito sair daqui. O mais importante é meu filho ter valor e não medida.


Texto produzido na Oficina Literária Online

Marcelle Vieira Salles mora em Belo Horizonte. Graduada em Administração, atualmente cursa Letras na Universidade Federal de Minas Gerais. É casada com Roberto e mãe de Elisa, uma menina muito especial, portadora da Síndrome de Jacobsen.

 

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