A crítica, a historiografia e a prosa literária brasileira no século XIX
 



A crítica, a historiografia e a prosa literária brasileira no século XIX

por Elenilto Saldanha Damasceno

Desde o fim do século XVIII, já havia estudos sobre a História da Literatura brasileira, os quais, aliás, nasceram a partir da contribuição europeia, por meio das análises do crítico literário e filósofo alemão Friedrich Ludewig Bouterwek, do historiador francês Jean-Ferdinand Denis e do crítico literário e filósofo austríaco Ferdinand Wolf. Todos eles, ao estudarem a História da Cultura europeia, abordaram a Literatura portuguesa e, por extensão, apresentaram os primeiros estudos sobre a Literatura produzida no Brasil, os quais, em meados do século XIX, de certa forma, contribuíram para a adaptação do Romantismo como escola literária apropriada para o projeto de construção de uma identidade coletiva nacional. A exaltação nacionalista romântica foi o instrumento para criação dessa origem ou matriz identitária brasileira. Em nossa historiografia literária, essa vertente recebeu o nome de Indianismo.

Enquanto na Europa, no final da primeira metade do século XIX, o economista, filósofo, historiador e sociólogo alemão Karl Marx e o filósofo alemão Friedrich Engels questionavam a estreiteza do raciocínio nacionalista, um novo projeto de Literatura desenvolvia-se no Brasil, por intermédio desse nacionalismo romântico. Da mesma forma, a historiografia literária brasileira encaminhou-se por esse viés nacionalista, ao fundamentar-se na correlação analítica entre a formação literária e o processo histórico do país.

Até 1850, a poesia ainda era o gênero literário mais conceituado no Brasil. Contudo, por essa época, romances passaram a ser publicados em jornais, na forma de folhetins. Adaptada ao suporte, a prosa narrativa romântica aproximou-se da linguagem jornalística, e sua coloquialidade foi criticada pela elite intelectual letrada, a qual considerava o romance um gênero vulgar. A partir da segunda metade daquele século, com o crescimento do público leitor, o prestígio da poesia passou a ser transferido, gradualmente, para o romance nacionalista indianista, principalmente a partir da recepção das obras do escritor cearense José Martiniano de Alencar.

Em seguida, já com a consolidação de um sistema literário, o romance brasileiro aproximou-se mais dos padrões do romance francês. Considerem-se, por exemplo, algumas obras de reconhecida importância na Literatura brasileira da época. Senhora, de José de Alencar, é um romance urbano o qual seguiu tipicamente o modelo do romance romântico francês. Helena, do escritor fluminense Joaquim Maria Machado de Assis, o qual apresentou inovações ao realizar o aprofundamento psicológico de algumas personagens, também seguiu esse mesmo modelo. Machado de Assis, aos poucos, passou a acrescentar peculiaridades do comportamento nacional à estrutura narrativa de seus romances. Em Iaiá Garcia, representou o costume da troca de favores. Em Memórias póstumas de Brás Cubas, transformou a própria estrutura do gênero para inserir o Brasil na obra, por meio da personagem Brás Cubas, narrador-defunto ou defunto-narrador, um verdadeiro patife o qual representava a elite nacional. Em Quincas Borba e Dom Casmurro, essa tendência foi aperfeiçoada e consolidada, e a sociedade brasileira tornou-se o centro dos romances de Machado, os quais representavam o comportamento das elites e da burguesia ascendente, seus valores e atitudes movidas pela ambição, bajulação, hipocrisia e o famoso "jeitinho" brasileiro.

Em 1872, José de Alencar, à época consagrado como o maior romancista do país, assumiu também o papel de crítico literário. Alencar escreveu oito artigos, publicados em jornais, nos quais teceu análises literárias como, por exemplo, críticas à estrutura e ao posicionamento ideológico do poema Confederação dos tamoios, do poeta fluminense Domingos José Gonçalves de Magalhães, produzido em 1856. Também em 1872, no prefácio de um de seus livros, criticou a elite intelectual a qual ainda desprestigiava a produção literária nacional e declarou que a Literatura brasileira já havia se estabelecido. Esboçou um modelo sobre as fases da Literatura nacional, consideradas a partir do Romantismo, e apresentou suas obras como exemplos característicos de cada uma dessas fases. É interessante notar que esse modelo, proposto por Alencar, ainda hoje é apresentado em manuais e livros didáticos sobre historiografia literária brasileira, no que tange a prosa literária no Romantismo.

1) Fase indianista: Iracema, O guarani, Ubirajara;

2) Fase histórica: Guerra dos mascates;

3) Fase urbana: Diva, Lucíola, Senhora;

4) Fase regionalista: O gaúcho, O sertanejo, O tronco do ipê, Til.

A partir do final do século XIX, Machado de Assis foi quem superou José de Alencar como expoente de nossa Literatura. Ele também cumpriu a mesma dupla missão, de projetar e de construir, paralelamente, uma Literatura e uma historiografia literária nacional. Concluo aqui, pois a crítica de Machado merece um artigo à parte.

 

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