Eu tinha 17 anos quando li "A Paixão Segundo G.H." pela primeira vez. Na época, lembro de achar o livro uma grande viagem, a ponto de questionar a relevância dele para a literatura brasileira no auge da minha rebeldia adolescente.
Clarice Lispector era leitura obrigatória no terceiro ano do ensino médio, e ainda bem que a professora de literatura nos indicou outros tÃtulos da autora, como "Laços de FamÃlia", "A hora da Estrela" e "Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres". Assim, pude entender e conhecer um pouco mais sobre a grandiosidade da obra de Clarice. E foi isso que me levou ao cinema para assistir à estreia do filme homônimo "A Paixão Segundo G.H." (2024), dirigido por Luiz Fernando Carvalho. Fui por Clarice, não por G.H.
A atuação de Maria Fernanda Cândido na pele da personagem principal, o roteiro adaptado e os elementos visuais são os pontos fortes do filme. O figurino e o corte de cabelo de Maria Fernanda muito lembram a própria Clarice Lispector. A fotografia é simplesmente impecável, pois insere o espectador numa atmosfera de sonho e devaneio ao apresentar tons pastel e cores que transitam entre o vermelho, o branco e o verde. Ao mesmo tempo, nas cenas em que a personagem secundária aparece, a barata, a direção não deixou escapar nenhum detalhe asqueroso do inseto. Àqueles mais sensÃveis, as cenas podem provocar ânsia de vômito.
Os roteiristas, Luiz Fernando Carvalho e Melina Dalboni, adaptaram com maestria as principais passagens do livro às cenas e aos diálogos do filme. A narrativa lenta e intimista conduzida em primeira pessoa foi transformada em monólogos que Maria Fernanda Cândido trava com as lentes da câmera, aproximando o público dos conflitos internos vividos pela personagem.
Li "A Paixão Segundo G.H." novamente quando adulta. Dessa vez, com um olhar mais maduro sobre o texto e sobre o mundo. O enredo envelheceu mal, e a adaptação para o cinema acabou refletindo isso. Uma mulher branca, de classe média alta que atravessa conflitos de seu próprio universo, a maneira como ela trata e descreve a trabalhadora doméstica, Janair, a romantização de trancafiar-se num quarto de empregada para expurgar seus demônios quando se tem um apartamento espaçoso e de alto padrão ao seu dispor.
Diria que "A Paixão Segundo G.H." é bastante fiel à obra original. A ironia é que isso deixou o filme tão chato quanto o livro. O mesmo não aconteceu com as adaptações igualmente fiéis de "A hora da Estrela" e "Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres". Se eu gostei de "A Paixão Segundo G.H."? Fui por Clarice, não por G.H.