O papel curador da arte na sociedade pós-moderna – Parte III
 



O papel curador da arte na sociedade pós-moderna – Parte III

por Rafael Figueiredo

“Não faças versos sobre acontecimentos. Não há criação nem morte perante a poesia. Diante dela, a vida é um sol estático, não aquece nem ilumina. As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam. Não faças poesia com o corpo, esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.”

Procura da Poesia – Carlos Drummond de Andrade
Se não conseguimos eliminar a dor de nossas vidas, e isto é um ponto comum entre todos nós, podemos ao menos lidar com essa dor de forma digna, graças à nossa capacidade de criar. É na criação que nos libertamos tanto da dor quanto dos limites determinados pelo próprio pensamento.

Já dissemos que o poema pode e deve ser um lugar de encontro, e a palavra uma chave de significados infinitos se desconstruirmos seu formato prático e dermos a ela a possibilidade de se reinventar dentro de nossos sentidos. Passemos agora ao sentido de liberdade. A liberdade, antes de tudo, foi a necessidade do homem de se desprender de seus instintos animais, ou seja, não ser mais escravo de seus desejos; é a liberdade do “não”, que nos impulsionou aos mais diversos campos da evolução. Mas isso não significa o isolamento de nossa natureza, tampouco a busca por dominá-la, e sim impor o pensamento e a vontade sobre os instintos.

Hoje, vivemos outro sentido de liberdade, que caminha para subjugar a natureza à pretensa superioridade do pensamento. Contudo, basta percebermos nossa efemeridade para que isso se desqualifique, quer dizer, nosso corpo morrerá, como morrem todas coisas vivas, e esta é a natureza de tudo: vida e morte. Logo, não importa o quanto o pensamento possa ser grande, a matéria orgânica é a soberana do tempo. Por mais que se pense positivamente, como tem se ouvido falar, eventualmente adoeceremos, pois os vírus e as bactérias não praticam o carpe diem e não se importam com palavras motivacionais. Então, o que nos interessa? Qual a utilidade maior de nossas capacidades intelectuais temporárias? Talvez, a coisa mais importante que possamos fazer é estarmos dispostos. Dispostos a conhecer, mudar e criar. Pois em tudo à nossa volta existe a novidade pulsante das coisas vivas, em significado e natureza. Portanto, devemos usar melhor nossas habilidades, não para viver cem anos, mas para aprender a aproveitar bem um dia; não para dominarmos a natureza das coisas, mas para nos entendermos como parte dela; não para escondermos nossos afetos, mas para expressá-los transformados e próximos de sentido; não para nos jogarmos na cadeia repetida de um comportamento condicionado ao fazer prático, mas para focarmos no lado poético da vida. Por fim, usamos tudo isso, igualmente, para criar poesia.

 

Cadastre-se para receber dicas de escrita, aviso de concursos, artigos, etc publicados no portal EscritaCriativa.com.br