Polígrafo
 



Polígrafo

por Rubem Penz

– Usa corriqueiramente expressões que podem ser interpretadas como de cunho racista, machista, homofóbica?

– Não que eu saiba.

– Mas já contou alguma piada sobre portugueses, loiras, negros, anões, gays, fanhos... Hein?

– Acho que não... Quer dizer, acho que sim...

– Sim ou não?

– Precisa me olhar com essa cara?

– SIM OU NÃO?

– Provavelmente sim.

– Continua com esse mau hábito?

– Evito, senhor.

– Pode ser menos evasivo?

– De uns tempos pra cá estou sempre me policiando.

– Certo, certo. Ahã, olha só! Muito bom... E quando escuta piadas dessa natureza, você ri, demonstra desconforto ou protesta?

– Rio demonstrando desconforto em sinal de protesto.

– Pareço ter achado graça?

– Não, senhor.

– Ser espertinho assim, ajuda?

– Não ajuda, senhor.

– Hum. E você, digamos, acha isso tudo uma enorme perda de tempo?

– O senhor é que está dizendo isso.

– Significa que você agora acha que EU acho isso uma perda de tempo?

– Talvez, senhor.

– Pode ser menos evasivo?

– O senhor não vai gostar dessa forma.

– Não especule, Rubem. Eu insisto. Vai, aqui: olhando nos meus olhos.

– Bom... Primeiro, não tenho muita certeza de que este polígrafo funcione para exames de consciência, comigo fazendo o papel de inquiridor e escritor ao mesmo tempo. Também desconfio de que o senhor ficará meio irritado quando souber que não existe, nunca existiu, que é na verdade uma criação minha para uma crônica sobre, sei lá, eventuais alternativas para escapar do tribunal das redes sociais...

– ...

– Nananina! Por favor, agora não interrompa: deixei o senhor aparentemente no comando, mas, à merda! Todos sabem minha opinião sobre o patrulhamento a que estamos expostos. A pressão está tornando cada dia mais detestável a ponto de eu – logo eu?! – aventar a possibilidade de dar voz ao senhor, uma censura prévia aqui dentro da cabeça, dessas do pior tipo, do tipo que desconfia vírgula por vírgula, vê leituras subliminares em cada palavra, nota maldades o tempo inteiro e, pior, ainda por cima pode – aí, todo superior – ser capaz de vir a me obstru

 

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