Os desafios e as vivências de mulheres cronistas
 



Dica de Escrita

Os desafios e as vivências de mulheres cronistas

Tainá Rios para o Escrita Criativa


Ao longo das últimas décadas, o mercado literário evoluiu e abriu espaço às vozes femininas, em especial para as autoras que escrevem crônicas. Apesar dos avanços, ainda existem inúmeros obstáculos e desafios que muitas enfrentam ao tentar se estabelecer nesse cenário. São barreiras de todos os lados: na publicação, na divulgação, na construção do público leitor e, a mais desafiadora de todas, o bloqueio criativo.



Eu, como uma escritora iniciante, me encaixo no último grupo. Quero compartilhar, aqui, as minhas experiências no universo literário.

Como começar


O meu primeiro aprendizado foi entender que o texto da crônica exige tanto talento quanto estratégia. Como escrevo sobre o cotidiano, busco estar presente no dia a dia do meu bairro e da minha cidade para encontrar assuntos inspiradores para os meus textos.

A escritora e professora de Escrita Criativa Luisa Aranha concorda com a afirmação. Para ela, as crônicas são textos que levam em consideração a opinião das escritoras, pois são relatos das nossas vivências. ?A crônica tem uma coisa muito interessante. É um texto que vai levar, de alguma forma, a própria opinião do escritor, mas ao mesmo tempo, ele cabe diversas interpretações, porque uma mesma situação pode ser vivida por nós em determinados momentos diferentes da vida e termos reagido ou entendido de uma forma diferente do leitor. Então, ela permite também diversas interpretações?, explica.

Outro aprendizado foi conhecer o mercado literário em que estou inserida. Ler crônicas de autoras estabelecidas e estudar seus estilos pode fornecer um guia valioso para o desenvolvimento da escrita. Eu gosto de acompanhar as crônicas da escritora e jornalista Ana Holanda, enviadas por e-mail pela newsletter de todas as segundas-feiras. Sempre tenho bons insights após as leituras e anoto as dicas no meu fiel caderninho de textos.

Buscar por concursos literários ou chamadas públicas de editoras é essencial para iniciar uma trajetória literária. Essas oportunidades muitas vezes servem como porta de entrada para o mercado, permitindo que nós, autoras iniciantes, tenhamos visibilidade.

Por último, está a construção de uma rede de contatos. Estar envolvida em comunidades literárias, participar de eventos e, principalmente, manter presença nas redes sociais são formas eficazes de divulgar o nosso trabalho. Hoje, com a popularidade dos blogs, das plataformas de autopublicação e das redes sociais, muitas escritoras conseguem alcançar um público significativo sem depender, inicialmente, de editoras tradicionais. O maior desafio aqui é ter uma estratégia bem definida de marketing pessoal.

Obstáculos e desafios


Embora muitas mulheres tenham conquistado um espaço relevante no mundo das letras, especialmente em gêneros como o romance e a poesia, a crônica ainda pode ser um campo desafiador. Mesmo que seja um espaço em que a subjetividade e o olhar íntimo têm grande importância, essas características, quando expressadas por nós, são frequentemente vistas como "menos sérias" ou "pouco relevantes" por parte do público masculino.

Quando fui colunista do Diário de Viamão, entre os anos de 2017 e 2019, eu recebia algumas críticas de leitores afirmando que meus textos eram superficiais e sem muito aprofundamento. Algo como ?isso é conversa de mulher?. Para eles, escrever sentada em frente ao computador e dentro de uma redação de um jornal não me permitia ser uma conhecedora do mundo afora. E como uma mulher de apenas 23 anos de idade, meu conhecimento, na opinião deles, era quase zero.

A falta de representatividade também é um fator limitador. Ainda que existam exemplos de cronistas mulheres bem-sucedidas, como Clarice Lispector ou Martha Medeiros, a maioria dos espaços em jornais ou coletâneas de crônicas são preenchidos por homens. Essa predominância masculina pode criar a falsa percepção de que o mercado literário, especialmente no campo das crônicas, é um "clube fechado" ao qual temos pouco acesso. É engraçado afirmar que eu era a única mulher jornalista da cidade de Viamão? Todos os artigos e matérias relacionadas à cidade eram assinados por homens, com mais de 60 anos. Será que esse é um fator que motivava as críticas que eu constantemente recebia? Talvez.
É claro que não poderia deixar de mencionar o equilíbrio da vida pessoal com a profissional entre os desafios das mulheres cronistas. Muitas escritoras, ao escreverem, exploram questões ligadas ao cotidiano e às suas próprias vivências, como já citamos aqui. No entanto, o tempo e a energia necessários para conciliar as responsabilidades domésticas, familiares e profissionais podem limitar a dedicação à escrita. Em muitos casos, isso resulta em uma produção literária menor.

A escritora Jordana Thadei, que escreve sobre as reflexões da mulher na casa dos 50 e na cidade grande, driblou esse obstáculo e criou uma rotina de escrita. Ela se organizou para colocar pequenos momentos dedicados a escrever sobre assuntos que vivencia no trabalho e nas idas ao supermercado. ?Desde que comecei a me organizar com uma rotina de escrita semanal, eu tenho ficado mais atenta aos fatos cotidianos. Dentro do ônibus, do metrô e das coisas que eu acho engraçado?, afirma.

Dicas de superação


Queridas leitoras e queridos leitores, não é só de problemas que nós, mulheres cronistas, vivemos. Apesar de todos os percalços que enfrentamos, seguimos confiantes e fortes no caminho em busca do reconhecimento.

Anabela Ferrarini, cronista e poetisa, também encontrou alguns obstáculos para continuar escrevendo, entre eles o refinamento da linguagem e a capacidade de síntese. ?Tive que perder essa coisa de ficar dando voltas e querer explicar para o leitor o que eu quero que ele entenda. Porque, para mim, a escrita é um processo muito orgânico e natural. Talvez, aí resida a minha dificuldade ou o meu desafio: entender que precisa ser trabalhado e sofisticado?, explica. Já eu, busco a formação contínua para fortalecer a posição das mulheres no mercado literário. Os estudos auxiliam no desenvolvimento de um olhar crítico sobre a própria escrita, o que pode facilitar o processo de lapidação dos textos antes da submissão à editoras ou concursos.

Se você está buscando entrar nesse universo, a dica é investir em oficinas de escrita criativa, participar de grupos de leitura e estar sempre em contato com as novidades do mundo editorial. E o mais importante: não se deixar desanimar pela falta de oportunidades imediatas ou pela crítica enviesada é essencial para quem deseja construir uma carreira literária sólida. A confiança na própria escrita e a resiliência são ferramentas importantes para contornar os obstáculos e avançar no mercado editorial.

Através de estratégias bem definidas e do fortalecimento de redes de apoio, nós, mulheres, podemos superar os desafios e conquistar nosso espaço para contribuir com a renovação do gênero crônica. Ao persistirmos e enfrentarmos os entraves do mercado literário, garantiremos que nossas vozes sejam ouvidas e nossas histórias, lidas e compartilhadas.



 

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