A primeira vez que ouvi do Prof. Marcelo Spalding que para um texto ser considerado bom, dentre outras coisas, o autor precisa conhecer seu público, os pelos da minha sobrancelha se arrepiaram. Como escrever com tantas pessoas sussurrando em meus ouvidos?
Produzi meus textos sem levar em conta a orientação e, só quando fui publicar meu primeiro texto, compreendi que a importância de definir o público-alvo está em:
1. Limitar para expandir
Estabelecer o público-alvo, por mais paradoxal que pareça, não é restringir o alcance da sua obra, mas reconhecer suas fronteiras para, em alguns casos, extrapolá-las. Se você vende sapatos, uma padaria não é o melhor lugar para ofertá-los, assim como livros de ficção científica podem não ter grande saída entre religiosos.
Ressalva: Uma vez que sua obra está no mundo, nada impede que pessoas de fora do seu público originário as leiam.
2. Você é responsável pelo que cativa
Literatura é arte que escorre da ponta dos dedos de escritores para a retina dos leitores. Nesse sentido, definir o público-alvo é essencial para que o diálogo autor-leitor se torne assertivo e envolvente. Além do mais, como artistas que são, os escritores devem escrever com responsabilidade. Sua visão de mundo seguirá nas páginas muito tempo depois dele mesmo.
3. A linguagem é como uma pele
Toda temática é passível de virar literatura, mas como será entregue difere para cada público. Por exemplo, o luto foi abordado de uma maneira suave e didática em "Menina Nina", de Ziraldo, e profunda e reflexiva por Aline Bei em "O peso do pássaro morto". Mesmo tema, duas possibilidades de abordá-lo, duas obras necessárias.
4. Não se perca no País das Maravilhas
Plagiando Lewis Carroll: "para quem não sabe com quem fala, toda ou nenhuma orelha serve". Sua obra é como uma carta a ser entregue, sem destinatário ela permanecerá lacrada. Conheça onde moram, como vivem e o que pensam as pessoas que têm maior similaridade com seu trabalho. Um livro onde a personagem principal faz refeições magníficas talvez não seja indicado para pessoas enfrentando distúrbios alimentares. Além de responsável, o escritor deve ser empático.
5. Escritor também paga boleto
Vivemos (até o momento) em um mundo capitalista. Como artista, o escritor jamais deve se vender, mas sua obra pode ser fonte de sustento. Saber para quem, quando e como ofertar seu produto é tão crucial para o engorde da sua conta bancária quanto o livro em si. Definir o público-alvo é o primeiro passo para estabelecer estratégias de marketing.
6. Não se corrompa pela vaia ou pelo aplauso
Escrever para agradar o outro é colocar mil mãos por cima da sua. Deixe as expectativas externas do lado de fora (sic) e lide apenas consigo. Você terá batalhas mais do que suficientes para vencer diante do espelho.
Como diz o professor Assis Brasil: "Seu compromisso, perene, reconhecido e inalienável, é consigo mesmo e com a arte que escreve." Porque, ouso complementar, antes de existir o leitor é preciso que exista o autor.