Quantas vezes já não buscamos saber qual foi a inspiração de certo autor para sua obra ou responder a pergunta "o que ele quis dizer?". Esse movimento comum é porque há quase invariavelmente uma forte associação do autor com o conteúdo da sua obra literária.
Ainda que tenhamos uma interpretação inicial ou que associemos a experiências pessoais, temos essa tendência de vincular ao escritor. A verdade é que não controlamos a dinâmica de processos individuais que decorre da leitura de uma produção que foi exposta ao mundo. É justamente esse pensamento que Roland Barthes, escritor, sociólogo, filósofo, crítico literário e semiólogo francês, vai abordar no seu ensaio "A morte do autor" de 1967.
O crítico diz: "[...] a imagem da literatura que podemos encontrar na cultura corrente é tiranicamente centrada no autor, na sua pessoa, na sua história, nos seus gostos, nas suas paixões; a crítica consiste ainda, a maior parte das vezes, em dizer que a obra de Baudelaire é o falhanço do homem Baudelaire, que a de Van Gogh é a sua loucura, a de Tchaikowski o seu vício: a explicação da obra é sempre procurada do lado de quem a produziu [...]".
Barthes defende que, após um fato ser contado sem a função de agir diretamente sobre o real, há um desfasamento, ou seja, a voz perde sua origem. A partir disso, pode-se anular aquele tipo de obsessão por uma análise específica, tida como única e universal, de uma obra literária propagada por alguns estudiosos. Além disso, ele reforça que, quando assumimos o autor como centro, consideramos que ele tem uma relação com o livro de forma que ele o alimenta numa relação como a de uma pai com um filho.
A teoria do filósofo francês tem um olhar diferente para o autor, vai contra a visão dele como imperador ou Deus, pois não há uma única voz nem um sentido certo. Além do questionamento do papel do autor, há a questão da originalidade que é abordada no texto: "Sabemos agora que um texto não é feito de uma linha de palavras, libertando um sentido único, de certo modo teológico (que seria a «mensagem» do Autor-Deus), mas um espaço de dimensões múltiplas, onde se casam e se contestam escritas variadas, nenhuma das quais é original: o texto é um tecido de citações, saldas dos mil focos da cultura". Sendo assim, ele nos afirma que qualquer obra não é inédita, pois é elaborada a partir de referências já existentes.
A obra literária passa por constantes transformações e ressignificações, assim como nós e o mundo em que vivemos. É no mínimo injusto limitar ideias e valorizar uma única perspectiva glorificando-a. A literatura é plurissignificativa, e essa palavra está dentro de um conjunto muito pequeno de rótulos possíveis de dar a algo tão grandioso e amplo que abarca milhões de possibilidades.
Nós leitores nos fazemos a pergunta errada quando lemos. Não temos que pensar no que o autor quis dizer com tal cena, afirmação, personagem ou detalhe, mas sim "o que disso fez sentido para mim?". Nós trazemos e criamos o contexto, não o autor. Precisamos afastar o autor, pois assim a ideia de decifrar um texto se perde. Quando lemos um texto, a questão deixa de ser o que o autor escreveu, como escreveu ou quando escreveu e sim como nós nos relacionamos com aquelas informações. Termino citando o final de seu ensaio: "[...] sabemos que, para devolver à escrita o seu devir, é preciso inverter o seu mito: o nascimento do leitor tem de pagar-se com a morte do Autor".