A língua de Portugal não nasceu exatamente em Portugal. E o Brasil, a principal ex-colônia portuguesa, fala um idioma que cada vez mais se modifica e será chamado em um futuro breve de "brasileiro", e não mais de "língua portuguesa". O defensor dessa visão é o linguista português Fernando Venâncio. Ele teve publicado recentemente no Brasil o livro Assim Nasceu uma Língua (editora Tinta da China).
Apesar de seus 79 anos e décadas de estudo da língua portuguesa, Venâncio está longe de ser um purista. Ele diz que não vê "como tragédia e nem sequer como um drama" a entrada de termos brasileiros como "geladeira" na fala de crianças portuguesas.
"O exemplo que normalmente se dá é, em vez de frigorífico, dizer geladeira. Portanto, podemos admitir que uma criança chega ao pé da mãe e pergunte `posso tirar isto ou aquilo da geladeira?` A criança não está a falar brasileiro, está a falar um pouco à brasileira e, na vida real, isso não tem importância. Mas é um fato que esse processo se dá", diz Venâncio.
Mesmo com a influência do linguajar brasileiro sobre a população portuguesa, o linguista considera que está em curso um processo de separação entre as duas variantes, e não de união.
"Não há maneira de retroceder, não há maneira de travar esse processo de afastamento entre o português e o brasileiro", diz Venâncio, que já pensa intuitivamente na variante como um idioma à parte.
"O brasileiro é uma língua magnífica. Desculpe: é uma norma [variante] magnífica", corrige-se.
Mas, nos dois lados do Oceano Atlântico, linguistas e gramáticos argumentam que ainda há unidade em normas e usos linguísticos das duas variantes, que morfemas (artigos, preposições, pronomes, entre outros) permanecem os mesmos e que o português culto do Brasil é quase igual ao português culto de Portugal.
Esses elementos impediriam a afirmação de que há uma "língua brasileira".
Venâncio não entra nestas questões técnicas. Diz, no entanto, que a linguagem brasileira que chama de "espontânea", mais distante da norma culta tradicional, está aos poucos separando a nossa variante do português europeu.
"E sabemos que nos processos de mudanças da língua há sempre esses momentos de aceleração. Vai dar-se um afastamento do português europeu. Não sabemos quando é que será. Só sabemos dizer que isso é inevitável."
O linguista tenta resolver a questão ao concluir Assim Nasceu uma Língua afirmando: "O português promete, pois, dividir-se ou multiplicar-se em outros idiomas, tal como um dia aconteceu à língua dos romanos, que, por eles, não tinham destas andanças da história a mínima ideia. Sabermos isso faz-nos, a nós, mais felizes? É o mais certo".
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