Ultimamente, tenho ouvido com frequência, inclusive de repórteres, frases como as seguintes:
"Antes das quatro horas da manhã já
tinham pessoas aguardando na fila."
"Quando chegamos, ainda
tinham ruas alagadas."
Trata-se aqui de um problema de concordância verbal: o verbo
ter está, inadequadamente, flexionado no plural. Para estar no plural, deveria concordar com um sujeito plural. Mas, ao analisar as frases, percebe-se que não há nelas sujeito, pois o verbo TER foi empregado em lugar de HAVER, impessoal (ou seja, empregado no sentido de existir):
Antes das quatro horas da manhã já
havia pessoas aguardando na fila.
Quando chegamos, ainda
havia ruas alagadas.
Por ter sido empregado em lugar de HAVER (impessoal), o verbo TER torna-se também impessoal, devendo permanecer no singular.
"Antes das quatro horas da manhã já
tinha pessoas aguardando na fila."
"Quando chegamos, ainda
tinha ruas alagadas."
Erros de concordância com o verbo TER são frequentes, porque o emprego desse verbo em lugar de HAVER é, ainda, considerado um uso mais coloquial e, por isso, poucas gramáticas tratam especificamente da impessoalidade desse verbo. No entanto, esse uso já está tão consolidado na língua que já não provoca nenhum estranhamento. Mas isso não nos livra da necessidade de flexioná-lo corretamente.
Uma das gramáticas que faz referência ao uso do verbo TER impessoal, ainda que entre parênteses e destacando seu uso coloquial, é a
Gramática Houaiss da Língua Portuguesa, de José Carlos Azeredo (p. 234).
Em síntese, não há nenhum problema em empregar o verbo TER em lugar de HAVER, no sentido de existir. Basta lembrar que ambos (ter e haver), quando empregados no sentido de existência de algo, devem permanecer no singular, porque as orações que constituem não têm sujeito.
Havia muitas pessoas na fila. Ou:
Tinha muitas pessoas na fila.
Ainda
havia muitas áreas alagadas. Ou: Ainda
tinha muitas áreas alagadas.
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Texto publicado originalmente no blog Scriptura
