Leitura e escrita de Fan Fictions, nossas queridas fanfics
 



Dica de Escrita

Leitura e escrita de Fan Fictions, nossas queridas fanfics

Julia Lisboa para o Escrita Criativa


Uma das definições mais clássicas de Fan fiction é de Henry Jenkins, autor do livro "Cultura da Convergência" (2006): "qualquer narração em prosa com histórias e personagens extraídos dos conteúdos dos meios de comunicação de massa".



Hoje, as novas mídias, como redes sociais e sites, transformaram a interação social. Esse gênero contemporâneo permite uma escrita a partir das diversas conexões entre pessoas em várias partes do mundo. Para Jenkins, o ato de escrever torna-se, além da expressão pessoal, uma atividade social para fã.

Pode-se dizer que o gênero fanfic é bastante dinâmico pelo constante encontro contínuo de fãs entre si e releituras das obras, abrindo portas para incontáveis versões de uma única história.



Buscando entender um pouco mais da escrita de fanfic, alguns leitores e autores do gênero compartilharam suas experiências pessoais a partir das seguintes perguntas:

Nádia Probst Pacheco, fã de k-pop desde 2013, cria conteúdo sobre o tema desde 2020. É graduada em Escrita Criativa pela PUCRS e estudou as fanfics de k-pop para o seu TCC (Entre pétalas e espadas: um olhar sobre as fanfics de k-pop). Seu primeiro contato com fanfics foi em 2017, quando iniciou a faculdade de jornalismo e entrou em contato com o autor Henry Jenkins para uma disciplina. Em 2019, desistiu do jornalismo e começou a estudar escrita criativa. No novo curso, voltou a estudar sobre fanfics e escreveu uma pela primeira vez em um trabalho da faculdade.

Estefane Araújo Barguil, cujo nickname é Mei, tem 20 anos e começou a escrever mais ou menos com 13 anos, a partir de uma fanfic de Pokémon em uma comunidade com fãs do jogo. Foi sua primeira experiência com escrita, dando início ao seu interesse pela escrita criativa. Para ela, apesar de hoje ter se afastado mais do meio, foi um grande primeiro passo.

João Pedro Lupo Ferreira, estudante de Escrita Criativa, tem contato com fanfic desde seus 12 anos por influência de uma amiga que consumia esse tipo de conteúdo. João já escrevia na época, mas nunca tinha tido a experiência com o gênero. Ele começou a consumir histórias relacionadas a Harry Potter e animes, como Naruto, e depois a se arriscar com essa escrita. Atualmente João se considera apenas leitor do gênero.

1- Quais são os desafios de escrever fanfic em relação a outros gêneros?

Nádia - Acho que o maior desafio é equilibrar a sua história com a obra original. Quem lê fanfics já conhece bem o assunto sobre o qual você está escrevendo. Isso, por um lado, tem suas vantagens. Por exemplo: se você estiver escrevendo uma fanfic canon (que segue fielmente a história original), você talvez não precise passar tanto tempo desenvolvendo o mundo ou os personagens, pois os leitores já os conhecem. Mas ao mesmo tempo que isso pode facilitar a vida do autor, também pode se tornar um desafio, pois as pessoas já chegam no seu texto com uma certa expectativa.

Estefane - Acho que um dos grandes desafios de escrever fanfics é ainda ser fiel ao universo e aos personagens originais. Acredito que um dos maiores motivos por pessoas escreverem fanfics é justamente por gostarem muito dos personagens e do universo, então manter a voz deles em uma nova obra pode ser um desafio. Ao mesmo tempo, eu vejo isso como um tipo de vantagem também. Dentro do meu tema de Pokémon, por exemplo, bem como outros temas, penso eu, há a possibilidade de criar uma nova história naquele universo com novos personagens. Considerando que os leitores daquele gênero, em sua maioria, já tinham muita familiaridade com os monstrinhos de bolso ou com o funcionamento do mundo. Eu poupava minha descrição nesses pontos e desenvolvia aspectos mais importantes da trama.

João Pedro - Um primeiro desafio que foi bem latente para mim foi se desprender de tentar imitar o estilo tanto da obra original quanto das fanfics que são inspiração. Um segundo desafio, é tentar se desprender das nuances e as minúcias da obra que você escreve a fanfic, pois você sente que precisa saber tudo sobre o universo. O maior desafio é achar um estilo próprio

2 - Você publica seu trabalho em algum site? Se sim, qual?

Nádia - Eu publiquei poucas fanfics, foram 2 textos em prosa e 2 ou 3 poemas, não lembro bem. Acho legal comentar que esses poemas foram escritos para eventos do próprio fandom. O primeiro deles foi para comemorar o primeiro aniversário do grupo de k-pop sobre quem escrevi, e o segundo foi em homenagem ao lançamento de uma música. Tenho coisas publicadas tanto no Wattpad como no próprio feed do X/Twitter. No Wattpad não tive muito feedback, mas tive respostas bem positivas no Twitter, pelo menos entre as pessoas que já me seguiam.

Estefane - A maioria do que eu escrevi ficou na comunidade de Pokémon que tinha e acabou sendo deletada. No entanto, eu repostei alguns trabalhos mais recentes na minha conta do Spirit. Consegui um alcance significante até em minha fanfic concluída, com +300 de visualizações e 60 comentários. Acredito que isso não seja específico desse site, mas uma grande dificuldade que existe é ganhar destaque nesses nichos. Principalmente se você é novato, as pessoas dificilmente vão conseguir encontrar sua obra pelo site. Para conseguir esse alcance, tive que realizar uma divulgação da fanfic enviando mensagens para pessoas que se interessavam pelo tema e também fiz uma parceria com um grupo de leitores do gênero do site, que infelizmente também foi desabilitado.

João Pedro - Eu comecei a publicar no Spirit e no Nyah, mas publicava bastante conteúdo anônimo. Depois, quando comecei a escrever fanfic de anime, mostrei mais. Em uma época, voltei e comecei a publicar no Wattpad, lá me arrisquei mais.

3 - Como é a sua relação com os outros fãs e como isso influencia na criação?

Nádia - Eu participo de fandoms de k-pop desde 2016. Eu sempre fui bastante ativa nesse meio, participo tanto de atividades online quanto de encontros presenciais. Eu até criei algumas amizades genuínas com outros fãs que conheci assim. Interajo com fãs de diversos países, pessoas que falam tanto português quanto inglês. Por conta disso, eu sempre tento publicar meus textos em ambas as línguas. Isso acabou influenciando o meu processo criativo. Às vezes, quando fico travada na escrita de uma cena, tento pensar sobre ela no outro idioma e geralmente funciona. As pessoas que gostam de fanfics costumam apoiar bastante quem escreve. Eu já recebi bastante incentivo de outros fãs para escrever. Mas é sempre bom lembrar que nem todo fã gosta de interagir com conteúdo criado por outros fãs, como é o caso das fanfics, e preferem se concentrar apenas no conteúdo original. Então ter interações ou não vai depender muito das pessoas que te seguem. Eu publico outros conteúdos além de fanfics nas minhas redes sociais e a maioria das minhas interações são nestes outros conteúdos.

Estefane - Essa pergunta é um pouco mais difícil porque a única fanfic que concluí já estava totalmente escrita (com um planejamento também já feito) e só fui postando aos poucos. Acredito que interagir com outros fãs do gênero que você escreve tem um aspecto motivador. Os fãs de pokémon, ao menos, me pareceram sempre tranquilos e engajados na criação de suas próprias histórias.

João Pedro - A relação de quem consome e escreve fanfic é a parte mais interessante do processo porque, mesmo os que apenas leem, contribuem fazendo comentários ou dando sugestões que melhoram a escrita. Ajuda especialmente quando você não tem uma história acabada. É uma comunidade que é bem engajada e que tem muito respeito. É um grande laboratório em que a galera se incentiva e vai experimentando coisas.

4 - Pensando no seu lado leitor, o que você busca ler em sites de fanfics?

Nádia - Eu gosto muito de histórias levinhas, que mostrem algo mais cotidiano, como slice of life e coffee shop au. É um pouco difícil explicar, mas acho que gosto deste tipo de história pois é reconfortante ver os artistas que admiro vivendo uma vida cotidiana, pois faz eles parecerem mais "gente como a gente". Eu costumo ler fanfics pelo AO3, pois eu acho mais fácil de navegar pelas tags que gosto. Enquanto estava escrevendo meu TCC também li muitas fanfics publicadas diretamente no Twitter (agora X). Hoje já não faço isso com tanta frequência, mas sempre vejo outras pessoas divulgando seus textos, ou comentando suas leituras.

Estefane - Como leitora, eu sempre buscava por fanfics concluídas. Brincadeiras à parte, na verdade, eu até tenho fanfics favoritas que nunca foram terminadas. Mas o que normalmente eu buscava eram fanfics semelhantes à minha que pudessem me dar mais ideias ou engajar na minha própria escrita. Normalmente eu procurava pelo nome + fanfic, por exemplo: "missigno fanfic" e dava uma olhada no que parecia. Missigno, em Pokémon, é um erro do jogo e por isso queria entender como as pessoas poderiam ter trabalhado esse bug em uma fanfic. Num geral, acredito que o que eu costumo procurar são: fanfics bem escritas, que tenham sua própria interpretação dos personagens, mas se mantenham fiéis e façam referências à obra original, e que já tenham uma quantidade considerável de capítulos, ou que o autor continue mandando atualizações constantes. Eu queria comentar brevemente sobre os clichês dentro das fanfics. Por exemplo, em pokémon, o maior clichê que tinha era a fanfic de jornada, em que o protagonista segue uma jornada nos mesmos moldes do Ash Ketchum, coletando insígnias, fazendo amigos etc. E eu percebia que tinha um certo tipo de preconceito por esses tipos de fanfic justamente por serem da "mesmice". No entanto, assim como qualquer outro clichê, eu acredito que sendo bem escrito e desenvolvido, um clichê ainda consegue ser muito original!

João Pedro - Sobre o meu lado leitor, geralmente procuro uma TAG (base para procurar uma fanfic) e vejo o que as pessoas estão produzindo. Além dos interesses específicos, também entro para procurar interesses novos ou HEADCANON (palpite do fandom sobre a história, mas que não foi confirmado oficialmente).

 

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