"A vida da língua está na sintaxe, nós só falamos
construindo orações.", Evanildo Bechara (2008)
Não se pretende aqui supervalorizar a gramática normativa, pois saber português não pressupõe saber gramática. O conhecimento da língua envolve o entendimento dos fenômenos que a cercam e está relacionado à competência comunicativa, ou seja, ao desempenho eficiente e seguro de qualquer tarefa comunicativa, seja oral ou escrita.
Sob uma perspectiva mais atual, focada na gramática descritiva das línguas e suas variedades, percebe-se que a gramática normativa representa apenas uma das variedades da língua: a norma padrão, que se baseia, em geral, na língua escrita, desprezando a oralidade e outras variedades. Tal gramática foca no registro formal, importante não só para o trabalho do profissional de revisão de texto como para a ascensão sociocultural do indivíduo. A intenção aqui não é impor a norma culta a diversas situações linguísticas, mas sim defender a utilização da língua de acordo com a circunstância.
Joaquim Mattoso Câmara Jr. afirma que a gramática greco-latina era normativa e definida como a arte de falar e escrever corretamente. Ele argumenta que não se deve abandonar essa gramática, pois há uma confusão entre duas disciplinas correlatas mas independentes: a gramática descritiva, que faz parte da linguística pura, e a gramática normativa, que faz parte da linguística aplicada a um comportamento social. Ele destaca que a gramática normativa tem seu lugar e não se anula diante da gramática descritiva, mas é um erro misturar as duas disciplinas e fazer linguística sincrônica com preocupações normativas.
Para trabalhar com revisão textual, é crucial contar com parâmetros seguros como os preceitos da gramática normativa, sem desconsiderar os conceitos modernos de linguística, que permitem ao revisor pensar na língua como algo vivo, além de uma estrutura imposta pela gramática. Marcos Bagno ressalta que a gramática tradicional tenta nos mostrar a língua como um pacote fechado, mas a língua é viva, dinâmica e está em constante movimento.
Diante desse cenário, o revisor deve ter maturidade ao utilizar a norma padrão vigente, evitando o erro de estudar a língua como algo morto, sem levar em consideração as pessoas que a falam. Além da preocupação com o fato de a teoria gramatical tradicional ser vista como único parâmetro de estudo da língua, sabe-se que as gramáticas tradicionais podem ser superficiais ou incompletas em temas complexos. Por exemplo, em se tratando da distinção entre complemento nominal e adjunto adnominal, Rocha Lima é um dos poucos gramáticos que abordam o assunto de forma direta, estabelecendo critérios de diferenciação mais eficazes.
Dessa forma, o revisor de texto não pode se restringir a uma gramática apenas. Ele precisa se inteirar da teoria das diversas gramáticas normativas, conhecendo o posicionamento de cada autor para obter mais segurança em suas decisões linguísticas. Paralelamente, deve reconhecer o importante papel de outros tipos de gramática, como a descritiva, que estuda a língua sob um olhar mais crítico e trabalha com qualquer variedade da língua, não apenas a norma padrão.
Em suma, o bom senso e o discernimento do revisor de texto só serão bem empregados se alicerçados na busca pelo conhecimento amplo da teoria gramatical tradicional, sem ignorar os princípios gerais da linguística. Vinícius Romanini destaca que não é possível abolir completamente as regras sob pena de desorganizar o sistema, mas também não se pode evitar que o qualitativo e o particular transformem o sistema lentamente.
Voltando ao exemplo citado, a dificuldade de distinguir adjunto adnominal de complemento nominal surge porque essas funções sintáticas possuem, em determinadas construções, os mesmos traços gramaticais. Esse cenário ocorre quando tais funções assumem a estrutura de substantivo seguido por locução adjetiva. Baseando-se nesse exemplo, vê-se que as gramáticas tradicionais, por sua abordagem incompleta ou divergente, podem não cumprir seu papel de suporte ao trabalho de revisão de texto. No entanto, os gramáticos em geral concordam sobre as definições e características do adjunto e do complemento, embora as abordagens de cada gramática não esgotem as possibilidades de ocorrência dessas funções.
É evidente, portanto, a importância do entendimento de sintaxe para o revisor de texto, uma vez que os conhecimentos relacionados às funções sintáticas vão além do mero reconhecimento de nomenclaturas. De fato, a compreensão dos fenômenos sintáticos proporciona a segurança necessária para embasar suas intervenções, permitindo-lhe avaliar a imprescindibilidade dos termos na oração e tomar decisões adequadas sobre pontuação e escolhas lexicais. Além disso, o revisor deve ter bom senso, discernimento e conhecimento de mundo, qualidades adquiridas não só pelo conhecimento da teoria gramatical normativa, mas também pelos estudos da linguística.