Em 03 de junho de 1924, morria Franz Kafka (1883-1924) de tuberculose. A metamorfose, de 1912, é o texto narrativo mais famoso do autor. Uma história macabra, angustiante, sobre a vulnerabilidade do ser humano e sua precária condição no mundo.
Thomas Anz, docente da Universidade de Marburg e autor de um estudo sobre a vida e obra de Franz Kafka, o considera um fantástico poeta do absurdo. Sua literatura introvertida, cifrada, é, possivelmente, o equivalente formal a todas as repartições jurídicas e homens honoráveis com que suas personagens se confrontam.
Isso, prossegue Anz, aplica-se em especial às instâncias estatais, como as descritas no romance O processo, ou, em versão ainda mais implacável, no conto A colônia penal - ambos textos que refletem a impotência do indivíduo diante de poderes anônimos.
Um tribunal civil no primeiro caso, uma corte militar, no segundo, levantam imputações totalmente arbitrárias, cuja verdadeira motivação o acusado não consegue sequer vislumbrar. Por que os réus se tornaram culpados? Eles não sabem. Tal situação de indefensibilidade, uma vivência central nas sociedades de massa modernas, é o que se denomina "kafkiana".
Os textos kafkianos expressam o nervosismo de sua época diante do fenômeno da modernização, então em curso, define Michael Braun, diretor do departamento de literatura da Fundação Konrad Adenauer.
O crescimento das cidades, novos meios de transporte como o trem e, acima de tudo, o automóvel, novas técnicas de produção e um Estado que se alastrava, dominante - tudo isso era novo e preocupante. E essa intranquilidade perdura até nossos dias.
"Por isso costuma-se evocar Kafka como profeta, como alguém que, por volta de 1900, já antecipava aquilo que se tornaria realidade em meados do século passado e mais além, ou seja: o ser humano inteiramente controlado e também torturado", explica Braun.
A sensação de impotência descrita pelo autor judeu de língua alemã, natural de Praga, persiste até hoje, pelo menos em parte. Paradoxalmente, as sociedades cujos cidadãos gozam de grandes liberdades também trazem em si um certo temor. Uma causa possível para isso é a perda das instâncias tradicionais de autoridade: esse fenômeno, que ocupou Kafka sem cessar, inquieta as pessoas até hoje, afirma Anz.
Quanto à ambivalência que permeia os textos de Franz Kafka, esta também se origina na identidade multifacetada do autor - a qual, por sua vez, é mais um fenômeno típico da modernidade, ressalta Braun.
"Kafka era judeu, era advogado, era escritor, nasceu em Praga, era tcheco e alemão. E, em meio a essa convivência e confusão de identidades distintas, buscar um Kafka que fale palavras claras será sempre um problema." Entretanto, ressalva Braun, "é justamente esse problema que constitui a atratividade dos textos de Kafka. Pois, se esse problema não existisse, qual seria a graça de se ler Kafka?".
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