Frágil
 



Contos

Frágil

Luana Pizzi


Passou a maquiagem para esconder as olheiras de um corpo cansado, desgastado por uma vida que a sociedade havia escolhido por ela. Os últimos anos tinham trazido todo o sofrimento que uma mulher moderna podia esperar. Ela carregava o mundo nas costas.

Antes fosse só seu mundo, mas no topo dele havia o mundo dos outros e a cada dia o peso aumentava. Eram tantas tarefas e responsabilidades, que sua vida havia se transformado em completar uma coisa e começar outra, sem tempo de respiro. À sua volta, via suas amigas e conhecidas na mesma situação, mas quando se encontravam, os assuntos variavam entre as conquistas dos maridos no trabalho ou dos filhos na escola. Seria ela a única que estava exausta de uma vida dedicada a cuidar do próximo?

Em frente ao espelho, a maquiagem tentava esconder a fragilidade de uma mulher prestes a quebrar. Mas que, a cada dia, colava os cacos de sua vida com uma boa camada de primer, fixava tudo com pó e trazia o foco para o seu sorriso que permaneceria intacto.

Maquiando a tristeza interior com um batom vermelho, ela procurava ser tudo ao mesmo tempo: mãe, esposa, filha, funcionária e empreendedora. Mas a pressão era tanta, que às vezes, acabava se quebrando.

Ninguém ama um vaso quebrado, ela repetia a si mesma em frente ao espelho, tentando equilibrar as lágrimas nas pálpebras, não tinha tempo de refazer a maquiagem. O choro tinha que esperar.

Como uma porcelana velha, ela se reconstruída a cada nova rachadura: uma cola aqui, uma fita ali, tudo tinha que permanecer no lugar. As cicatrizes permaneciam cobertas, invisíveis ao mundo externo, mas elas ainda incomodam e coçam em um corpo que só quer permitir se quebrar.

Ela olha para sua versão mãe refletida no espelho, arruma o cabelo na frente dos ombros no momento em que a porta do quarto se abre. De longe ela ouve os passos apressados e a porta do banheiro se abre num estrondo. Em seu rosto, o sorriso ensaiado, já está pronto para uso.

- Feliz dia das mamães! - gritam juntos, Elias e Clara. Ela os abraça e agradece os presentes. Marcos está encostado na porta, com um sorriso de orgulho no rosto.

- Feliz dia das mães, amor. - Ela sorri para ele também e o beija rapidamente.

- Obrigada, queridos, que delícia ter vocês aqui. Eu só vou terminar de me arrumar e já desço para irmos à casa da vovó.

Um suspiro de alívio. A maquiagem funcionou mais uma vez e ninguém descobriu suas feridas. Terminou de se trocar e seguiu para a sala onde as crianças e o marido, já vestidos, se distraíam com o celular. As suas pernas tremiam dentro do macacão e não sabia por quanto tempo mais conseguiria segurar as lágrimas de exaustão dentro de si, sentia que logo iria transbordar. Mas não agora, não na frente de sua família.

Após o almoço, todos seguiram para casa e foram cuidar de suas tarefas. As crianças brincavam em seus quartos e Marcos dormia profundamente na cama do casal. O momento era esse. Finalmente ela poderia se deixar quebrar e transbordar toda a exaustão que a consumia, para assim, poder se reconstruir.

Com a porta do banheiro trancada, se despiu e ligou o chuveiro. Molhou os cabelos e deixou a água quente escorrer pelo corpo, expondo suas feridas e cuidando de cada uma delas. Reconstruída, vestiu as roupas confortáveis e seguiu para a cozinha. Clara e Elias se juntaram a ela um pouco depois reclamando de fome, Marcos acordara e estava vendo jogo na TV.

- A mamãe vai terminar a janta já, já. Enquanto isso, peguem um Danone na geladeira.

Crise evitada, um respiro fundo e o vaso começa a se encher mais uma vez. Ela mal pode esperar para o próximo momento de transbordar.


Luana Pizzi é mestra em comunicação pela Universidade da Basileia, na Suíça, e produz textos ficcionais e acadêmicos. Já teve seus trabalhos publicados em blogs, coletâneas e revistas científicas. Apaixonada por natureza e esportes, passa a maior parte do seu tempo livre nas montanhas. Participa do Curso Online de Formação de Escritores.

 

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