Sentado na cama, Pedro tirou o celular do bolso e, com as mãos trêmulas, abriu o aplicativo do laboratório. Coçou a barba e moveu os cachos, que cobriam sua testa e insistiam em tapar parte da vista. Ele tinha colhido amostra de sangue poucas horas antes. Digitou CPF, senha e o resultado se materializou na tela do celular em uma fração de segundo. "Positivo", sentenciou o aplicativo. Pedro empalideceu. Seus lábios levemente descoloridos se entreabriram. Deixou as mãos e o celular caírem sobre as coxas e encarou o vazio desenhado na parede a sua frente. "Amor, tem café?", Pedro escutou a voz da esposa vinda da sala.
Com um vestido florido um pouco acima dos joelhos, sentada no sofá da sala, Emília folheava revistas, passando as páginas distraidamente. Em uma cadeira de balanço em frente, sua avó concentrava-se em uma peça de crochê. Ao deparar-se com a foto de um jovem, com a barba por fazer, cabelos compridos e desalinhados, Emília se deteve. Afastou os cachos da frente dos olhos e se perdeu na imagem por alguns segundos. Sem saber explicar o motivo, sentiu-se identificada com aquele corpo. "Emiiiiiiiliaaaaaaa", ecoaram gritos dos garotos da vizinhança solicitando sua presença. "Não vá muito longe", preveniu a avó. Emília saiu correndo, pulou o muro baixo de sua casa e perdeu-se de vista, tocando bola com os meninos, rua abaixo.
Pedro pegou uma cerveja no bar e caminhou meio trôpego pela pista de dança. Usando a garrafa como parceira, fechou os olhos e deixou-se embalar pelo ritmo da música. Quando voltou à realidade, já não dançava só. Moveu os cachos diante dos olhos e se deparou com um rosto de barba cheia e cabelos raspados rente à cabeça. Os dois se arrastaram até um corredor escuro. Se conectaram pela respiração, inalando os odores um do outro. Sob a penumbra, mãos investigaram corpos, calças se perderam, virilhas se acariciaram, se deglutiram, se transformaram em uma, culminando num jorro de prazer. Eles respiraram ofegantes, um no pescoço do outro, em sinal de despedida.
Emília, vestida de bermuda e camiseta e sentada à mesa redonda da cozinha, observava a avó a sua frente. "Chegou, vó. Começo hoje", disse, afastando os cachos dos olhos e tomando nas mãos uma caixa de comprimidos, que descansava sobre a mesa. "Pedro, meu filho, vou ficar com saudades da Emília". Os olhos se inflamaram de emoção. Avó e neto se abraçaram, chorando juntos.
"Amor, tem café?". Pedro escutou a voz da esposa vinda da sala. Recuperou a coloração dos lábios, se levantou, parou diante do espelho e sacudiu os cachos rente à testa. Tirou a camiseta e passeou os dedos pelas duas cicatrizes em horizontal, abaixo dos peitos. Se virou de lado e observou seu reflexo, acariciando a barriga.
Marcos Maia é servidor público, formado em jornalismo. De e uns tempos para cá, tem se arriscado na produção de textos literários. Participa do Curso Online de Formação de Escritores.