Juliana acordou contando os minutos para a hora de dormir. 7 minutos para tomar um café em silencia, meia hora para arrumar as meninas para a escola, 23 minutos até a escola, 42 até o escritório, 3 minutos ligando o computador e tomando o segundo café do dia, 8 horas de trabalho, 14 horas para colocar as crianças na cama.
Ela não sabia muito bem quando começou a usar a rotina para ancorar a vida, mas já fazia anos que parecia estar eternamente presa ao mesmo dia. O trabalho também era repetitivo. Responder e-mails, check. Preparar o balanço mensal, check. Aprovar campanhas, check. Mas era a rotina com as crianças que a cansava sobremaneira. Buscar na escola, fazer um lanche, tomar banho, ler uma história e dormir. E repetir tudo no dia seguinte.
Quem visse sua vida de fora pensaria, erroneamente, que os fins de semana dariam uma trégua a este eterno looping. Mas a casa também precisava de atenção. Ir ao mercado com duas crianças a deixava exausta, no entanto, as mães solo não têm tempo para o cansaço. É preciso seguir cuidando, arrumando, ensinando, marcando médicos e dentistas e cabeleireiros e atividades extracurriculares.
Às vezes, quando ela deitava a cabeça no travesseiro, tentava se lembrar da sua vida passada. Aquela antes das filhas, antes de o marido pedir a separação e desaparecer. Será que ela era feliz naquela época? A pergunta sempre vinha acompanhada da culpa, um punhal atravessando seu peito com a fúria de quem diz: "que egoísta, uma mãe deve amar os filhos acima de qualquer coisa".
E a verdade é que ela amava as filhas, e as amava acima de qualquer coisa. Mas mesmo os seus sorrisos e abraços mais apertados não podiam apagar o sentimento de que alguma coisa estava errada. Não com a vida, nem com a rotina, mas com Juliana. O trem da maternidade descarrilhou e foi parar em um deserto de areia movediça que engole toda luz e toda alegria.
Aquela noite, após passar 13 minutos a mais lendo um livro para Martina, que não conseguia dormir, Juliana se sentou na cama completamente paralisada. Não conseguia levantar nem o braço para ligar a luz do quarto. No silêncio, só ouvia o seu coração batendo e o tráfego da cidade, que também parecia não conseguir dormir. Ela respirou fundo e usou os últimos resquícios de energia que tinha para tomar impulso e jogar o corpo na cama. De roupa e tudo, sem escovar os dentes nem lavar o rosto. A vida parecia mais opressiva a cada dia e ela percebeu, naquele momento, que algo tinha que mudar.
O corpo cansado não se movia, mas a mente parecia desperta e pronta para ruminar cada detalhe de uma vida dedicada à prole. E se eu acordasse mais cedo para me exercitar? Aí estarei mais cansada ainda. E se eu contratasse uma diarista? Não sobra dinheiro para isso, ainda mais com o valor da mensalidade da escola. E se eu me mudasse para o interior? Não há empregos para analistas de marketing no interior.
E assim o cérebro de Juliana trabalhou duro para descartar cada solução que ele mesmo apresentava. No fim, Juliana dormiu de cansaço e tristeza, com a pequena vitória de saber que, finalmente, tinha percebido estar triste.
O dia seguinte, um sábado, começou do mesmo jeito que todos os sábados começam. Acordar cedo por puro costume do relógio biológico, preparar o café da manhã, dar bom dia para as meninas e começar a limpar. A casa estava uma bagunça, a montanha de roupa suja era invencível e a louça não dava trégua. Ela não deu conta das tarefas diárias naquela semana e, pela primeira vez em anos, não sabia por onde começar a arrumar a casa. Brinquedos espalhados pelo chão, poeira nos cantos da casa. Para onde olhava, Juliana via indícios de sua derrota como mãe, de seu fracasso como mulher.
Era precisava achar um jeito de começar, mas em vez disso, Juliana sentou no sofá, fechou os olhos e chorou. Primeiro uma lágrima, depois uma enxurrada que não parecia querer parar. Chorou pelo ex-marido, pelo cansaço, pela falta de tempo de qualidade com as filhas, pelo emprego que lhe tomava tempo sem dar nenhum propósito em troca. Chorou pelo fato de ter demorado tanto tempo a perceber que precisava de ajuda. Ninguém neste mundo sofre mais do que uma mãe sem rede de apoio.
Ligou para a sua mãe, que vivia há quilômetros dali, numa cidade do interior, e pediu ajuda. Falou do cansaço e da falta de cor em sua rotina, e concluiu que, em 10 anos, quando as meninas crescessem e se interessassem mais pelos amigos do que por bichinhos de pelúcia, ela queria olhar para trás e pensar que esta foi a melhor fase da sua vida. A mãe respondeu que pegaria um ônibus no mesmo dia e que em 6 horas estaria ali. Neste momento, ela trocou de papel e virou filha.
Mariana Eberhard é escritora, tradutora, jornalista, mestre em Estudos de Cultura Contemporânea na UFMT e doutoranda em Sociologia pela Universidade de Hannover, na Alemanha. É autora da crônica "Do lado errado do Muro de Berlim", parte da coletânea As Vidas que Ninguém Vê, pela Editora Metamorfose. Traduz literatura e ciências humanas do inglês e do alemão desde 2021. Participa do Curso Online de Formação de Escritores.