Da varanda ao lado ouvi uma música antiga que amava, cantada numa voz monotônica feminina. As palavras quase inaudíveis trouxeram imagens adormecidas, e eu me entreguei, abraçada ao som que atravessava as paredes. Outro som, este estridente, interrompeu o meu momento. "Por que não troquei o toque do celular?" Corri para atender.
- Oi, mãe. - Do outro lado da linha, uma voz amigável. - Preciso de você. - E o tom voltou ao normal. - Vem pra cá, agora. - Um "por favor" ao final, raro, nem na urgência acontecia.
- Tá, chego aí daqui a pouco, vou me trocar, pegar a bolsa, chamar um... - Interrompida, reconsiderei: o assunto era sério. Há muito eu desistira de falar. Mimei minhas crianças tentando compensá-las pela minha rotina penosa, pelos nãos que tive de dar - e depois voltar atrás. Cresceram e se acostumaram. Mal. "Por que pararam de conversar comigo?" Ainda tive tempo de me perguntar.
Chamei o carro do aplicativo e peguei a bolsa, preparada para a premência do dia. Não sem passear pelas fantasias de perigo iminente, ladrões de devaneios disparados nos tons de telefone diferentes ou inesperados. Não dirigir permitia refletir. Eu subtraía conselhos das conversas aleatórias ou de livros lidos entre o ir e vir. Da falácia herdada de minha mãe, me acostumei com a conversa amena com o padeiro, com o marketing desesperado pelo meu "sim", com o motorista do carro, com a terapia quinzenal da diarista. As conversas bobas me faziam acreditar que tempestades passam.
"Todas as mães são como eu?" Continuei conversando comigo, no hábito que ajudava a não fraquejar na rotina do vazio, às vezes enlouquecedor.
Sentada no carro rumo ao problema da ocasião, fechei os olhos e relembrei a melodia ouvida minutos antes. Me senti levada pelas ondas do destino, esperando as mudanças prometidas na letra. Músicas me prometiam amor, calor. Me ninavam.
"Qual o conselho da vez?" Pensei alto. O motorista sorriu, acostumado com olhos fechados que carregam uma conversa mais séria.
- A senhora está bem? Posso ligar o rádio? - perguntou. Fingi não ouvir. Presente e passado iam e vinham, e o trajeto se encurtaria, assim.
Atender aos filhos era a minha maior urgência, desde que desertei meus sonhos. Da solidão conquistada pelo tempo livre trazido por ausências, a liberdade das horas me aprisionava. O cansaço de sempre cuidar e não ser cuidada era o meu espelho opaco, e as minhas palavras viravam eco, no vazio de conversas. A música trouxe a lembrança do tempo que não tive para cantar, espremida em compassos de falas sem ensaio. Fiz cobaias. Tentei fazer diferente e perfeito. Falhei. Mentia para mim mesma, e essa verdade fingida me consolava. No automático da pressa, montei minha própria armadilha: um quadro sem moldura de olhares ou suspiros impacientes, nas trocas cada vez mais esparsas com os estranhos que pari.
"Por que ainda não consigo dizer não?" Nessa conversa solitária, fui até a porta onde minha filha já esperava. Parecia mesmo urgente. Me convenci.
- Estou grávida! - Ela disparou, choramingando-se pelo acaso sem volta.
De dentro da casa dos meus pensamentos, continuei ouvindo a esperança lírica. Lembrei. Sim, eu havia cantado para ela. Matutei, num relance, se devia cumprimentar a nova mãe-zumbi na reviravolta antecipada.
Passageiras mareadas pelo tsunami repentino, nos abraçamos, enquanto uma voz interna clamava: "E eu com isso?"
Goretti Giaquinto, arquiteta pós-graduada, ama ler e participar de atividades criativas. Planeja navegar e voar unindo traços, pontos e retas na escrita. Participa do Curso Online de Formação de Escritores.