O termo Medicina Narrativa foi usado pela primeira vez pela Rita Charon, médica e crítica literária estadunidense. Desde pequena familiarizada com os livros, a doutora teve uma série de questionamentos sobre a abordagem dos médicos com os pacientes. A partir da leitura e do trabalho, que inicialmente eram dissociados, Charon percebeu que esse encontro era importante e que ela precisava de um treino literário para saber o que fazer com as histórias dos seus pacientes.
Kathryn Montgomery Hunter, professor de Medicina da Universidade de Princeton, afirma que a Medicina é interpretativa e não somente baseada em fatos, pois a capacidade de identificar-se com algo pode ser tão importante no diagnóstico e tratamento quanto os dados científicos e a dedução lógica. Como a literatura, diz respeito às pessoas e suas histórias e faz parte dos valores culturais, concepções e ideologias.
Segundo a entrevista com a Rita Charon publicada no jornal Notícias Médicas de Portugal, em 2000, a médica fundou o Programa de Medicina Narrativa na Columbia University College of Physicians and Surgeons com o objetivo de melhorar a formação dos estudantes, ensinando-os a desenvolver relações eficientes e a refletir sobre as situações éticas e a prática médica. Assim, eles estariam melhor preparados para lidar com os cenários difíceis. Inicialmente, foram lidas histórias de diversos autores, entre eles William Carlos e Anton Tchékhov, com a intenção de aprender o ato de leitura, e feitas tarefas de escrita como a "ficha clínica paralela", em que eles escreviam sobre o que os emocionava no dia a dia do hospital, contrastando com a ficha clínica habitual que apresenta a temperatura, a pressão arterial, o resultado de biópsias, entre outras informações do paciente.
A partir dos relatos, os estudantes eram sensibilizados pela escrita e pelas vulnerabilidades do outro. Aprendiam o que era solidariedade com os colegas e como a escrita pode ajudar a se conhecer e a se permitir. As histórias são muitas vezes deixadas de lado porque os profissionais têm uma estratégia defensiva de serem objetivos e frios para evitar o sofrimento.
No prefácio do livro Narrative medicine: honoring the stories of illness, Charon define Medicina Narrativa como: "Medicina praticada com competência narrativa para reconhecer, absorver, interpretar e ser sensibilizado por `estórias` de doenças". Pode ser entendida como um treinamento para profissionais da saúde a partir da leitura e escrita reflexiva, contribuindo para a ética médica por meio do conteúdo das histórias, fictícias ou não, da forma como são contadas e dos motivos que as fazem importantes.
Para entender e interpretar as narrativas dos pacientes, é preciso identificar o que está nas entrelinhas, pois, assim como na literatura, há o subtexto. Casos médicos podem ter múltiplas interpretações, pois os relatos variam de paciente para paciente. Eles, geralmente, têm a necessidade de compartilhar, além da história da sua doença, diversos aspectos da vida como sentimentos, inseguranças e frustrações. Por isso, os profissionais precisam saber captar os sinais dessas descrições para entender a complexidade de um relato pessoal.
Colocar uma experiência em linguagem é tornar ela mais compreensível já que o indivíduo explora livremente suas emoções. Muitas pessoas já passaram por algum momento em que as palavras foram conforto. Usá-las ajuda a elaborar um luto ou uma situação traumática. A palavra tem um poder de cura, e nada mais ilustrativo para comprovar isso que a narrativa no contexto de cuidado da saúde. O entrelaço da medicina e da literatura é a ponte para um atendimento médico mais eficaz e humanizado.