Em tempos dominados pela tecnologia em que a arte fica em segundo plano, é curioso que algo pouco conhecido possa ser essencial para a cultura brasileira. Nesse contexto, a poesia desempenha papel único na vida de muitas pessoas, tendo um poder libertador e humanizador.
Slam poetry ou spoken word, a batalha de poesia falada, ganhou notoriedade nos últimos anos. As competições são um pilar da cultura hip-hop sendo um movimento histórico que traz temas como racismo, machismo, homofobia, violência doméstica, abuso sexual, descaso público, entre outros aspectos sociais, culturais e políticos.
Em 1986, Marc Kelly Smith, mestre de obras e escritor, resolveu experimentar um novo formato de poesia nos saraus que fazia com trabalhadores nos bares de Chicago. Eles seguiam uma estrutura acadêmica, mas depois começaram a acrescentar notas e definir jurados aleatórios do público que podiam dar uma nota de 0 a 10 para as performances.
Com o tempo, foram estabelecidas regras como tempo de declamação, número de rounds, intervalos e necessidade de autoria. Além disso, não são permitidos adereços cênicos nem acompanhamento musical, pois a única expressão é a oralidade. No slam poetry, todos podem se inscrever para a competição e julgar as apresentações, em oposição aos eventos mais tradicionais de poesia. As batalhas rompem com a linguagem culta e os parâmetros de cânones populares.
O slam é considerado uma arte inovadora. No Brasil, a primeira edição da competição de poesia falada surgiu em 2008 na cidade de São Paulo, chamada de ZAP!Slam (Zona Autônoma da Palavra), foi organizada por Roberta Estrela D`Alva, poeta e atriz brasileira, e promovida pelo Núcleo Bartolomeu de Depoimentos. Em 2016, o Slam das Minas foi o primeiro coletivo de Porto Alegre. Hoje em dia, o Rio Grande do Sul é o terceiro maior estado com coletivos ativos no país.
Leonardo Nunes, vulgo Almanaque Poeta, fundador do coletivo Slam Levante do Rio Grande do Sul, diz que a lei máxima da competição é o silêncio durante as apresentações. Segundo ele, é um espaço de escuta. Pode ter sons da rua, mas o barulho também faz parte da poesia.
O poeta gaúcho diz que fazer slam é ter responsabilidade. É o compromisso de dar coragem e esperança aos jovens. O que for recitado pode encorajar jovens a saírem de uma rotina conturbada e buscar forças e acreditarem nos seus sonhos. Pode dar um sinal de esperança para qualquer pessoa que está passando por uma dificuldade. Uma responsabilidade muito grande de poder tirar uma criança do caminho errado, e ela ver que aquilo pode ser uma oportunidade de crescer. Uma felicidade e uma esperança para a própria família.
No slam, a poesia é livre e pode ser feita de várias formas. Há um tom íntimo e pessoal nessa arte. Existem slams de poesia curtas e de libras, além dos temáticos como Slam do Dengo (sobre amor), Slam das gurias (voltado para mulheres), Slam Aquilombaí (focado no protagonismo negro) e Slam Comigo ninguém pode (direcionado a causas ambientais).
A arte da poesia falada é conhecida em todo o país, mas está presente especialmente dentro das periferias e comunidades, conectando pessoas e suas experiências de vida. Alguns nomes importantes do slam brasileiro são: Roberta Estrela D´Alva, Mel Duarte, Emerson Alcalde, Tawane Teodoro, Luiza Romão, Laura Conceição, King A Braba e Sabrina Martina como destaques de São Paulo; Cristal, Bruno Negrão, Agnes Mariá, Deds, Mika e DaNova como destaques do Rio Grande do Sul. Além do mais, o coletivo gaúcho Poetas Vivos faz oficinas, promove rodas de conversa e apresentações em universidades e escolas, sendo um grupo de extrema importância no Estado.
No slam poetry, o termo "vulgo" acabou se tornando algo muito importante para conhecer os poetas já que poucos deles usam seu próprio nome. Grande parte dos poetas usam codinomes causando um mistério sobre a identidade do artista e estimulando as pessoas a quererem saber a história por trás.
A vereadora Atena Roveda escreveu um Projeto de Lei que tomba as batalhas de poesia como patrimônio imaterial de Porto Alegre, sendo esse o primeiro projeto aprovado escrito por uma pessoa transexual. A artista relata como o Slam permitiu sua ressocialização enquanto mulher travesti na sociedade, pois, antes disso, não fazia práticas sociais públicas como sair na rua e ir a festas. "O Slam salvou a minha vida", disse ela em seu perfil no Instagram.
Ser slammer é ser um multiplicador cultural, segundo Almanaque Poeta. Cada um tem as suas lutas e significa elas de forma diferente. Cada edição é construção de uma história que jovens periféricos estão participando de algo que muitas pessoas não compreendem. O poeta diz que as pessoas têm preconceito e pensam que um monte de jovens recitando poesia não podem fazer uma mudança. "Sim, a gente acredita que consegue", afirma ele.
Para Nunes, o slam abriu portas para outras artes e mostrou novas possibilidades. "A poesia me escolheu. A cultura da poesia me acolheu", disse ele.
A poesia é cura, as palavras são conforto e o slam é identidade, expressão e revolução em um contexto sensível e complexo, impactando diretamente a vida de muitos jovens.
Em algum momento da vida, toda pessoa deveria ter algum contato com o slam e se permitir conhecer e se sensibilizar com as histórias dos poetas.
Slam é a voz da resistência. É palavrear o grito.