O primeiro desafio do escritor de relatos de viagem é desviar a narrativa do tédio. Este sempre foi o meu maior receio quando decidi produzir um livro sobre uma caminhada que realizei no ano de 2021, na considerada maior praia do mundo, a do Cassino até a barra do Chuí, no Uruguai. Quando percebia que a escrita estava se tornando monótona, recordava-me de um tio que detalhava tudo com tantos pormenores que, antes mesmo da metade da história, eu já havia desligado os fones de ouvinte. Eram novelas, não relatos, contados por ele.
Sim, é excelente quando o narrador se esforça para causar o maior impacto nos acontecimentos com o menor número de palavras. Diria que um bom exemplo limitador de dados em relatos de viagem seriam as pinceladas de Picasso. Esse pintor da forma, sem ter a pretensão de formar o desenho, ainda consegue contar uma história. Em sua obra "Guernica", o desenho do cavalo seria uma boa medida de um excelente relato de viagem.
Eu imaginava não ser tão relevante para alguém o meu relato, mas tinha a intenção de registrar e talvez transformar esse material em um livro. Acredito que este também seja um pensamento recorrente entre os autores de relatos. Enfim, hoje, sem receios, digo que todo relato bem escrito tem seu espaço. O processo do café passado deve ser contado e escrito, tem seu valor e gera conhecimento. Aprender a expressar em palavras é enriquecedor para a escrita. Relatar o sabor ou sequência de sensações de um prato é mais certeiro do que fotografar. Expanda as sensações em seus relatos, seja justo com essas descrições. Dessa ideia de expansão, descobri uma boa modalidade de fuga do tédio.
Conto que um de meus leitores-testes, ao ler a primeira parte do meu livro em produção, sugeriu que eu incluísse os pensamentos e associações que ocorriam em minha mente enquanto caminhava. Além de difícil, foi muito engraçado, porque o relato do primeiro acampamento na praia me remeteu à minha infância, e em vez de descrever o tempo e o ambiente reais, detalhei no livro os acampamentos dos meus tempos de criança. Assim, o relato ficou consideravelmente mais interessante e rico em sentimentos, gerando conexão imediata com quem viveu essa experiência na infância. Na sequência do livro, relatei até o esquecimento das nossas alianças de casamento, fato que meu marido faz questão de dizer até hoje que só aconteceu porque ele nunca havia casado. Entrelaçar conexões entre histórias vivenciadas e inéditas pode ser uma boa dica, experimente.
Pensamentos estrelas
Para um bom relato, recomendo manter sempre a possibilidade de anotações de "pensamentos estrelas". Esses são pensamentos que norteiam o relato com algo mais. Criei agora esse nome, lembrando da marca Estrela e da minha primeira boneca Susi. No meu livro, um "pensamento estrela" foi o fato de que aquele trecho ermo do litoral é um local de muita corrosão e destroços de navios afundados. No decorrer da caminhada, associei isso ao fato de que muitas pessoas percorrem essa longa distância com a mesma expectativa de mudar condutas, deixar profissões e fazer escolhas. Não deixava de ser um local de abandono de ideias.
Dá uma lida neste trecho transcrito do pensamento estrela: "Arrependo-me de, em momentos errados, ser responsável e irresponsável. Encontrei, naquelas infinitas areias, forças para aceitar e perdoar o que não posso mais mudar. Todos que caminham naquele deserto carregam algo que não fará falta em suas mochilas e que ficam lá. Um lugar de corrosão também tem suas benesses." (pg 86, Entre Faróis - Uma caminhada do Cassino ao Chuí, o que vivi, senti e Pensei).
Quando surgirem essas ideias, anote. Além da capa de chuva, caminhei todo o percurso com um pequeno bloco de notas e caneta. Poderia ter gravado, mas achei melhor escrever.
Outra dica que sempre funciona quando escrevo um relato de viagem é imaginar estar no meu bar predileto, bebendo o terceiro copo de cerveja gelada e em um papo com amigos que adorariam ouvir essas histórias. Mesclo coisas engraçadas, papo profundo, furado, dados numéricos e respondo perguntas imaginárias dos meus amigos mais íntimos. Mentalmente, estou contando para os caras que já tomaram boa parte da mesma garrafa de cerveja e já pediram outra. Na minha mesa, ninguém para julgar. Acho que esse é um bom ambiente para relatar viagens de aventura.
Um bom relato transcende a escrita; experimente escrever sobre o seu dia de hoje depois do terceiro copo de cerveja gelada.
FABIANE MENDES GRUDZINSKI, autora do relato de viagem Entre Faróis, é gaúcha, graduada em Ciências Jurídicas e chef de cozinha. O livro conta a história da sua caminhada de longo percurso da praia do Cassino a Barra do Chuí.