Caucasiano, sedutor e com licença para matar. Em poucas palavras é possível identificar James Bond. O agente secreto, criado por Ian Fleming, apareceu pela primeira vez em 1953, no livro Cassino Royale. Depois disso, o autor escreveu mais treze livros sobre a personagem e, após a morte do autor, outros escritores foram convocados para dar continuidade as aventuras do 007. Telas de cinema reproduziram vinte e cinco filmes sobre ele e não devem parar por aí.
Ao longo dos anos, os modelos de carro se atualizaram, a tecnologia migrou de analógico para digital e, claro, Bond também se modernizou. Para se manter no imaginário da cultura pop, as criações "pós-Fleming" sofreram mudanças. Em pleno século XXI, é inadmissível um Bond preconceituoso, ainda que continue autorizado a cometer outros crimes.
Para celebrar o septuagenário de James Bond nas prateleiras, a editora que detém os direitos de Fleming, decidiu reimprimir sua obra, não sem alterações. Frases ou cenas racistas foram reformuladas ou suprimidas, tudo sem comprometer a história.
De ambos os lados, não faltaram críticas para essa decisão.
Há quem argumente que reescrever a obra de um autor falecido é, de certa forma, censurá-lo e há quem defenda que excluir somente as narrativas racistas é insuficiente para uma personagem, sabidamente homofóbica, misógina e xenófoba, reestreiar nas livrarias.
Segundo a editora, as alterações foram baseadas em autorizações prévias de Fleming. Desviando assim da mira do debate, primeiro por não considerar censura, uma vez que o próprio autor permitiu as mudanças quando vivo; e segundo por não avançar em outras pautas necessárias, visto que o próprio Fleming assim não o fez.
Mais do que manter 007 vivo ou deixá-lo morrer, a questão da responsabilidade autoral é posta à prova e, quem deseja ver seus escritos publicados, deve dedicar-se a ela. Criar personagens preconceituosas como subterfúgio para expor injustiças sociais é totalmente admissível, transformar suas ações em algo idolatrável é problemático, quando não criminoso.
A imortalidade de uma obra, desejo da maioria dos escritores, depende tanto da qualidade da escrita como da capacidade de manter-se fiel a valores imutáveis da humanidade. A permanência no tempo deve se sujeitar as críticas de todas as gerações que pretende influenciar.
Dessa maneira, enquanto vivo, todo e qualquer autor tem a possibilidade de se reinventar e trazer seus escritos para a atualidade. Uma vez falecido, sua obra deve falar por si e suportar (ou não) as críticas que encontrará no futuro.
No caso das obras de Fleming, a editora acerta em excluir as cenas de racismo, conforme o próprio autor orientou. Para as demais questões de misoginia, homofobia e xenofobia, alienadas por Fleming, o caminho seria indicar no começo da obra que se tratam de violências do contexto histórico do autor, inaceitáveis na atualidade.
Apagar a história, ainda que fictícia, parece ser um erro, visto que agir dessa maneira pode abrir espaço para que esse comportamento se repita.
Outra saída é fazer uso das Fanfics, ou seja, a partir do universo criado por Fleming, gerar histórias paralelas, dessa vez, tendo em perspectiva o mundo atual. Hollywood, por exemplo, cogita há alguns anos ter o primeiro James Bond negro e, esperamos, que respeite mulheres, membros da comunidade LGBT+ e outras culturas.
Para nós, conscientes de que o amanhã nunca morre, resta compreender que a licença para matar uma personagem está nas mãos de quem almeja fazer desse mundo um lugar melhor.