Ernest Hemingway (1899-1961) foi um dos maiores escritores norte-americanos do século XX. Autor de clássicos como "O velho e o mar" e "Por quem os sinos dobram?", suas obras são conhecidas por narrarem o cotidiano de pessoas reais e pela linguagem concisa, sem muitos adjetivos ou descrições desnecessárias. O próprio Hemingway disse certa vez: "Escreva frases breves. Comece sempre com uma oração curta".
Hemingway apreciava a vida em alto mar, adorava pescar a bordo do seu barco. Antes de começar a escrever ficção, era jornalista e trabalhou como correspondente de guerra na Segunda Guerra Mundial e Guerra Civil Espanhola.
É dele a famosa teoria do iceberg, bastante comentada em cursos e oficinas de escrita criativa. Estudiosos de sua biografia acreditam que a paixão de Hemingway pelo mar e sua experiência com o texto jornalístico, direto e conciso, tiveram forte influência na criação dessa teoria.
Por que iceberg?
Iceberg é uma palavra da língua inglesa que, segundo o dicionário Priberam, em Português significa "massa de gelo que flutua nos mares polares depois de se ter desprendido de uma geleira". Quem já assistiu ao filme "Titanic" deve se lembrar da grande pedra de gelo responsável por levar o navio ao fundo do mar.
Além da definição literal, há a característica morfológica dos icebergs. Normalmente, o que vemos na superfície é apenas uma pequena porção de seu todo. A maior parte de um iceberg está submersa, sendo muitas vezes difícil definir o seu real tamanho. Daí vem a expressão popular "isso é só a ponta do iceberg".
E o que tudo isso tem a ver com literatura e a teoria do iceberg? Bem, comecemos citando o criador da teoria:
"(...) escrevo baseado no princípio do iceberg. A dignidade do movimento do iceberg é que somente um oitavo de sua grandeza brilha ao sol: há sete oitavos submersos, para cada parte que aparece. O que você conhece, pode ser eliminado, e a parte que não aparece só robustece o iceberg?.
Em resumo, Hemingway quis dizer com isso que uma boa obra de ficção, assim como a vida real, apresenta apenas uma camada superficial de história. O conteúdo mais rico e valioso está no que ele chamou de "sete oitavos submersos". Em outras palavras, no que não foi dito ou escrito. Dessa forma, cabe ao leitor completar as lacunas e interpretar os finais que ficaram em aberto. E cabe ao escritor o desafio de conduzir a narrativa para que isso aconteça.
Sobre o trecho "o que você conhece, pode ser eliminado", Hemingway defendia que o escritor precisa ter total conhecimento daquilo que foi omitido. É a omissão de detalhes como uma técnica de escrita, e não como um subterfúgio para quando não se sabe o que fazer com a história.
No conto e em outras narrativas curtas, a teoria do iceberg pode ser amplamente aplicada, pois são estilos que demandam concisão ao mesmo tempo em que exploram as entrelinhas do subtexto. O objetivo? Provocar um efeito, como no miniconto abaixo, de Marcelo Spalding.
"Maria acorda, pega ônibus cheio, arruma, lava, passa, esfrega, cozinha, arruma, lava, passa, esfrega, cozinha, arruma, lava, passa, esfrega, cozinha, arruma, lava, passa, esfrega, cozinha, arruma, lava, passa, esfrega, cozinha, arruma, lava, passa, esfrega, cozinha, arruma, lava, passa, esfrega, cozinha.
Nós pagamos um salário mínimo".
No miniconto de Spalding, a rotina de Maria é apenas a ponta do iceberg. O texto, no fundo, critica a desigualdade social e nos coloca como agentes dessa desigualdade, ao usar o pronome "nós" ao invés de algo como "eles" ou "a burguesia".