"O termo memoricídio tornou-me conhecido durante o XVIII Seminário Internacional Mulher & Literatura, utilizado pela professora Dra. Constância Lima Duarte ao referir-se ao apagamento das escritoras da História e da Literatura com o intuito de silenciá-las e invisibilizar suas produções intelectuais. O silenciamento e a invisibilidade das escritoras dos séculos XVIII, XIX e início do século XX ocorreu em todo o mundo" (Castro, Carla, 2020, p. 145).
Desde que o mundo é mundo, as mulheres são silenciadas nos locais que, por luta ou sorte, ocupam, e apagadas daquilo que produzem; seja nas ciências exatas, humanas, ou nas artes. Pensar em dicas para mulheres que querem se tornar escritoras não fugiria muito do que se a qualquer outra pessoa. O que diferencia a conversa é a necessidade de reflexão sobre mulheres na literatura e no mercado editorial é entender que no âmbito da escrita, na prática do ofício em si, muito pouco ou nada se difere; é mais sobre entender o lugar que ocupa num mundo que, ainda, privilegia homens.
A escritora, editora, professora e pesquisadora Ana Elisa Ribeiro reflete sobre a diferença entre barreiras para as mulheres que anseiam ser escritoras em diferentes tempos da história: "Em épocas passadas, ser escritora era impossível em razão de entraves de base, como não poder ser alfabetizada ou ter de pedir permissão ao marido para qualquer participação pública. Hoje isso claramente não é mais assim, embora as mulheres continuem tendo seus tempos muito usurpados, fragmentados, colonizados por pessoas e atividades que elas gostariam de não fazer ou ao menos de fazer em menor quantidade, para que sobrasse algum tempo para a escrita".
Para Ana, o tempo é uma das principais questões que fica entre as mulheres e o sonho de serem escritoras, muitas vezes sobrecarregadas por papéis há tempos impostos pela sociedade. A autora ainda pontua que algumas mulheres sentirão um peso maior do que outras em relação às responsabilidades que as são atribuídas; esses desafios não são iguais para todas justamente por serem tão plurais. O recorte é necessário, querer ser escritor, escritora, exige investimento, de tempo, de recursos, que nem todas dispõem: há disparidades que ecoam na trajetória daquelas que aspiram a escrita e a autoria.
Além disso, há pressupostos que dificultam a afirmação de mulheres como escritoras, como a ideia de uma escrita dita feminina, encapsulando a diversidade de escritoras que existem; com diferentes modos de pensar, de ver o mundo, e de manejar a língua na escrita, aponta Ana Elisa. "[...] entenda-se [escrever "femininamente"]: doce, açucarado, ameno, meloso, sobre temas que só interessam às suas congêneres. Muitas escritoras buscaram exatamente se afastar disso. É uma das razões pelas quais as poetas não gostam de ser chamadas de "poetisas". Há uma razão discursiva para isso sobre a literatura escrita por mulheres. Mas vendo aqui de hoje, deste nosso contexto, as mulheres têm feito de tudo e de modos muito diversos, com açúcar ou com fel".
Se faz necessário pensar essas questões quando se deseja ser escritora, questionar e desbancar mitos e falácias, construir um discurso coletivo com outras mulheres e dar voz a elas, ocupar espaços e disseminar a literatura de autoria feminina. Para reflexão, note que recentemente fora divulgado nos meios de notícia a lista de leituras do vestibular da Fuvest, que contava apenas com obras de autoria feminina, o que gerou opiniões tentando evocar um certo "machismo reverso", algo tão improcedente se pensarmos na história de apagamento de escritoras na literatura.
Ana também expressa a necessidade que o mercado editorial tem visto em dar voz e espaço a diferentes mulheres escritoras, "Há muitos livros de mulheres negras, por exemplo, hoje. E a experiência delas, seus pontos de vista, suas perspectivas são diferentes do de mulheres brancas burguesas (embora nem toda mulher branca seja burguesa)". Trazer a público escritas com diferentes backgrounds, livros com pontos de vista e personagens diversos, diferentes modos de narrar e ver o mundo, a vivência dessas mulheres reflete a escrita, como acontece com todos os que escrevem, não há sujeito separado de ideologia e de memória.
Os meios não fazem distinção de gênero, é necessário fazer um bom trabalho de escrita e edição; no entanto, Ana aponta que essas coisas não são garantia de sucesso, é preciso criar chances: "mas sempre de olho na possibilidade de que o silêncio sobressaia" ? não há garantias e é importante ter consciência disso. Trabalho, paciência e seriedade; fazer boas redes de amigos e profissionais, com sinceridade e confiança; ter com quem conversar, trocar textos e impressões; ler um pouco sobre o mercado editorial; ler muitos livros contemporâneos, novos, sem perder o senso crítico. Essas são algumas dicas que a autora dá e que, nós sabemos, entra em conflito com o que discutimos anteriormente. As dicas não diferem o gênero em relação à escrita, mas se faz necessário discutir a possibilidade de adesão das mulheres a todas essas práticas em busca do reconhecimento como escritoras e autoras devido às demandas que as consomem e aos espaços majoritariamente ocupados por homens.