É possível viver como escritor?
 



Dicas

É possível viver como escritor?

Kethlyn Machado



A possibilidade de viver de literatura encanta, ser escritora ou escritor e poder se dedicar exclusivamente a isso, viver da arte da palavra, da memória, da criação e da observação. Mas como será que esses escritores se sustentam? Será que vivem apenas da venda de seus livros? Claro que os autores de bestsellers, sim, mas e os que estão mais perto de nós, qual a realidade deles?

Julia Dantas, escritora, editora, tradutora e professora no Curso de Formação de Escritores, sintetiza bem essa questão: "Os livros abrem portas para trabalhos remunerados, mas em si remuneram muito mal". Julia ressalta que, em termos de direitos autorais, na maioria das vezes costuma-se ganhar muito pouco; a renda do escritor não se vale, em sua totalidade, dos livros, e sim de outros serviços prestados no meio literário.

Jane Tutikian, escritora premiada, professora no Instituto de Letras da UFRGS e do Curso de Formação de Escritores, nos elucida, a partir de anos de experiência com o mercado editorial brasileiro, a realidade dos escritores: "Há um acordo padronizado em que o escritor recebe 10% sobre capa de livro, então ele precisa ter uma quantidade enorme de livros no mercado, de tal forma que, aos poucos, eles vão vendendo para ter uma continuação no recebimento de direitos autorais".

Além da questão dos direitos autorais, Jane ressalta outras questões que dificultam a consolidação dos escritores, como a distribuição. "Quando publicados apenas no Rio Grande do Sul, por exemplo, mesmo aqueles que nós temos conosco como grandes escritores atuais são desconhecidos em São Paulo e no Rio de Janeiro. De maneira mais geral, são apenas os livros publicados no Sudeste que têm distribuição para todo o país."

A falta de divulgação também dificulta o trabalho do escritor. Jane que, para a mídia, o livro tem uma vida muito curta, os holofotes só estão ligados no dia do lançamento e, depois disso, passando-se um mês, dois, já estão velhos demais.

Para Marcelo Spalding, professor, escritor e diretor do Curso de Formação de Escritores, a resposta é uma questão de perspectiva: "como diria meu amigo Mario Pirata, depende de quanto você precisa para viver". Mas de maneira geral, Spalding acredita ser possível, sim, viver como escritor se não tivermos uma visão restrita ao direito autoral: "O erro, talvez, seja a pessoa achar que viver da escrita é quase como se aposentar (não, gente, dá trabalho!); e também achar que pode largar emprego ou faculdade para, de uma hora para outra, virar escritor".

O escritor para além dos direitos autorais

Vimos que viver como escritor, exclusivamente dos direitos autorais, provavelmente não seja sustentável; mas, há como viver de literatura, estendendo seu trabalho como escritor para outras áreas. No entanto, para tal, é preciso ser um bom escritor e levar seu ofício a sério. Para Christian David, escritor e professor no Curso de Formação de Escritores da Metamorfose, o primeiro passo é cultivar um bom texto, indo atrás de instrumentos que possam auxiliar no aprimoramento da escrita.

Tão importante quanto ter publicado um bom livro é estar no meio da literatura, onde ela acontece. "As feiras de livros são lugares que se precisa frequentar; os lançamentos de livros, as sessões de autógrafos, seminários, as palestras", destaca Christian. São nesses eventos que são feitas as redes de contato, que são construídos relacionamentos; pessoas que vão conhecer seu nome e o que você faz e, daqui a pouco, te indicar para algum trabalho ?, seja para dar uma aula, traduzir livros, preparar originais, ministrar palestras: outras oportunidades de renda dentro do mundo literário além do livro em si.

Independente se seu foco for somente a publicação de livros ou outros trabalhos possíveis com literatura, é preciso estar ciente de que é um caminho que exige proatividade e determinação e, além de tudo, profissionalização. Para Airton Ortiz, escritor e professor do Curso de Formação de Escritores da Metamorfose, isso seria nada mais do que "ter uma carga horária diária para dedicar a sua arte de escrever, ter uma rotina e manter constante dedicação, não depender apenas de motivação e disponibilidade e, como os outros ofícios, deve ser feito todos os dias".

Ortiz explica que isso não diz respeito a, necessariamente, escrever diariamente, mas a ler outros autores, estudar a literatura, fazer pesquisa ?, ou o que for necessário a agregar a seu trabalho no mundo literário. Airton também traz a possibilidade de trabalhar com a avaliação de originais, além da existência de editais, bolsas e incentivos culturais para escritores (há muitas possibilidades para complementar a renda dos direitos autorais). Diante da realidade brasileira, "quem quer viver da profissão de escritor [e da literatura] tem que se profissionalizar, se dedicar a essa tarefa e trabalhar, trabalhar muito", destaca.

 

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