No dia 30 de setembro é comemorado o Dia do Tradutor. A data marca o falecimento de São Jerônimo, conhecido como tradutor da Bíblia do grego antigo e do hebraico para o latim. Aproveitamos para conversar com autoras que já tiveram seus livros traduzidos e profissionais que trabalham como tradutoras, duas pontas desse importante processo de levar o livro para além das nossas fronteiras linguísticas.
Segundo Mariana de Oliveira Eberhard, o processo de tradução literária geralmente começa com a leitura atenta do texto original para compreender seu estilo, contexto e nuances: "O tradutor então trabalha para transmitir esses elementos na língua de destino, mantendo a voz do autor original."
A tradutora Désirée Jung alerta que o texto tem que funcionar no idioma. "Não adianta ficar comparando, tentar ser tão fiel ao original, pois fica muito engessado, você está pensando em português e lendo em inglês. Tradução é uma profissão muito pouco valorizada e é um trabalho quase manual, artesanal. A pessoa tem que ler e nem saber que é uma tradução. Isso sem perder a subjetividade do autor, o estilo o autor tem que ser preservado."
Mariana é jornalista e cientista social por formação, e trabalha como tradutora e redatora desde 2015, com foco em tradução literária, marketing de conteúdo e SEO. Ela vive em Berlim desde 2014, para onde se mudou para cursar um doutorado em sociologia. Já Désirée mora em Vancouver há quase 25 anos, possui traduções pulicadas em várias revistas e antologias internacionais.
Outro aspecto que as tradutoras chamam a atenção é sobre a participação do autor no processo. Mariana conta que alguns autores preferem uma comunicação mais próxima com o tradutor para esclarecer dúvidas ou discutir questões específicas do texto, enquanto outros confiam plenamente no tradutor para interpretar e traduzir a obra. Désirée nos lembra que o tradutor precisa ter sensibilidade para entender a alma daquele escritor ali: "é quase como interpretar um personagem, por algum momento eu estou sendo aquela pessoa. Quando tenho dúvida obviamente pergunto ao autor", diz.
Lu Aranha, escritora e professora do Curso de Formação de Escritores, tem tido alguns de seus livros traduzidos e mostra-se satisfeita com o processo: "O que me motivou foi a curiosidade, mas tem sido bastante interessante ver esse processo acontecendo, receber em dólar e ver a aceitação dos livros em outros países." A autora, porém, faz alguns alertas importantes sobre cuidados que os autores devem ter nesse processo, como encontrar um leitor beta para a tradução e revisão. "Procure alguém que costuma ler livros no idioma da tradução para te dar um parecer sobre a obra. Não é quem lê porque está começando a praticar aquele idioma, mas alguém com experiência. Outro tradutor, especializado em literatura também pode ser contratado, mas é importante que alguém leia antes de publicar. Tanto o espanhol quanto o inglês tem diferentes regras, dependendo do país. Importante se ater de onde é seu tradutor, antes de pedir para qualquer um ler."
Como fazer para ter seu livro traduzido
Uma forma de você ter seu livro publicado em outros idiomas é usar seu conhecimento em língua estrangeira para escrever textos bilíngues. A Editora Metamorfose mesmo está publicando seu segundo livro bilíngue português-inglês. O primeiro foi Sherlock Cat, de Sinara Foss, e em 2023 está saindo Diário de uma formanda (Senior`s Diary), de Vanessa Moraes.
Além de estudar outro idioma, é importante que autores que têm essa intenção também criem o hábito de ler em outros idiomas: "Sempre que viajo compro livros, e aqui mesmo no Brasil. Além do que, eu gosto de ler livros originais em inglês, sem ter passado por tradução. Para começar eu indicaria livros simplificados, em que a história, o livro é reescrito, adaptado com outro vocabulário mais acessível. E assim que o vocabulário for se ampliando, o leitor vai então, se aventurando em livros, sem serem adaptados para estudantes de segunda língua, como Black Beauty, de Anna Sewell e The Adventures of HuckleberryFinn, do Tom Sawyer, que foram os primeiros que eu li. Foi após ler o Black Beauty onde o personagem é um cavalo, que eu escrevi o meu Memórias de um Cachorro Velho, onde o personagem/focalizador é o cachorro Xolo.", conta Sinara Foss.
Nesse sentido, Vanessa Moraes lembra que livros infantis podem ser uma ótima forma de começar a ler livros em língua estrangeira, especialmente livros de histórias que já conhecemos, como Peter Pan, Alice, etc.
Mas mesmo quem não tem conhecimento profundo de outro idioma e é autor independente pode ter seus livros traduzidos. Lu Aranha, por exemplo, indica uma plataforma chamada Babelcube: "Eu conheci a plataforma por indicação de um aluno em um módulo de Autopublicação. Resolvi conferir e ver como funcionava. Me cadastrei e começaram a surgir as propostas. Algumas coisas ainda estou aprendendo sobre a plataforma e sua dinâmica. Mas basicamente inscrevemos nossos livros, os tradutores se interessam, mandam propostas relativas a tempo e aceitamos ou não. Após o processo de tradução é preciso uma revisão da tradução. Revisado o material o autor produz capa traduzida e upa o material na plataforma que coloca à venda em diversos marketplaces gringos, entre eles a Amazon. Os lucros, descontada a porcentagem da plataforma de 30%, são divididos entre autor e tradutor. Os pagamentos são trimestrais e em dólares através do Paypal."
A autora alerta, porém, para a importância da divulgação. "Uma tradução também precisa de divulgação para alcançar mais leitores, então é importante que o tradutor tenha contato em países da língua traduzida para essa divulgação."
Sinara Foss reforça este aspecto, até para evitar frustrações: "Uma vez li um comentário do J M Coetzee que se um autor escrevesse em inglês mais gente poderia lê-lo, a obra iria mais longe. O escritor quando escreve tem essa intenção, ser lido. E em outra língua, ter a chance de ser lido por mais gente. Mas, assim como na própria língua materna, não acontece. É preciso muita divulgação, blogs, influenciadores, críticos mencionarem o livro para que alcance mais leitores. Então, não sei se faz sentido para um escritor desconhecido como eu lançar um livro bilíngue aqui no Brasil. A não ser que seja livros infantis para as escolas bilíngues."
Um alerta importante
Quando o próprio autor resolve traduzir seu livro, é importante que o autor contrate um revisor após a tradução: "é altamente recomendável que o autor contrate um revisor, especialmente se a obra for destinada à publicação", afirma Mariana Eberhard. Segundo a revisora, a diferença fundamental entre tradução e revisão de tradução está no foco: "A tradução envolve a criação de uma versão equivalente do texto original em outra língua, enquanto a revisão da tradução é uma etapa posterior que se concentra na melhoria da qualidade linguística e na correção de erros gramaticais, ortográficos e de estilo no texto já traduzido. O revisor verifica se a tradução é clara, fluente e precisa, garantindo que a mensagem seja transmitida de forma eficaz na língua de destino. Existe também o cotejo da tradução, que é comparar a tradução com o texto original e identificar possíveis erros, omissões, inadequações ou qualquer desvio em relação ao original."
Désirée Jung também atua como revisora e dá uma sugestão: "tento ler somente o texto em inglês para ver se ele funciona. Se eu ficar com muitas dúvidas e tiver que voltar no texto em português é sinal que o texto em inglês não está funcionando."
Nesse sentido, o ideal é que o próprio autor tenha algum conhecimento do idioma para o qual seu texto foi vertido, a fim de que possa revisar ou até ajudar no processo de tradução. Pode parecer trabalhoso, como de fato é, mas uma data como essa nos lembra do quão importante é o trabalho do revisor, e de como podemos ir além das nossas fronteiras linguísticas.