A escrita de tiras
 



Dicas

A escrita de tiras

entrevista com Christian David


Uma capivara marciana e tecnológica na primeira colônia extraterrena? Uma mosca pensante e irreverente? Nas tiras "Vida em Marte" e "Mosco Tosco", respectivamente, absurdos assim são totalmente plausíveis. Com roteiro de Christian David e ilustrações de Ernani Cousandier ("Mosco Tosco") e Flavio Soares ("Vida em Marte"), ambas são publicadas periodicamente no portal Literatura RS e também no Instagram.



Para o escritor Christian David, uma definição única sobre o que é uma tira pode limitar o caráter versátil desse estilo. Ele explica que "as tiras podem ser tão diversas e variadas que é difícil fazer uma definição fechada. Algumas características se mantêm, mas há grande variação. Acredito que algumas características em comum, em grande parte delas, é o uso do humor em suas variadas formas, o texto sucinto e direto e o elemento surpresa para fechar a sequência de poucos quadros, que podem variar também em número e formato".

Quanto às semelhanças com as Histórias em Quadrinhos (HQs) e as charges, Christian afirma que a delimitação entre um conceito e outro "não é um assunto definido" ainda. "Há quem considere tudo sob o guarda-chuvas das Histórias em Quadrinhos, há quem considere charge algo à parte, mas, com certeza, as tiras são uma forma de narrar histórias através de imagem em sequência, o que seria uma das definições para as HQs", avalia.

Ao "narrar histórias através de imagem em sequência", com ilustrações e poucas palavras, as tiras garantem uma leitura rápida e dinâmica. Mas não se engane. Apesar de sucintas e, aparentemente, lúdicas, elas podem abordar questões profundas sobre a vida e a sociedade, como em "Mafalda", do cartunista argentino Quino, que é bastante utilizada nas escolas como um incentivo à leitura. "Sempre é importante estimular a leitura, formar e incentivar leitores. Os quadrinhos não são uma pré literatura ou um primo pobre dessa arte. Literatura e Quadrinhos podem ser apreciados durante toda a vida, mas é inegável que os quadrinhos têm um apelo popular mais forte e, ao se utilizar também de imagens para contar histórias, pode provocar no leitor iniciante, por vezes, uma maior identificação com os personagens e uma imersão mais imediata. Sendo assim, acredito que as HQs poderiam se fazer mais presentes nas escolas para que continuassem fazendo parte do currículo e da vida do leitor em todas as idades", pondera Christian.

Sobre as tiras "Mosco Tosco" e "Vida em Marte", citadas no início do texto, Christian David conta como funciona o processo criativo. "Sempre começamos com o roteiro. Mesmo nos quadros onde não há texto, eu faço uma descrição de como a imagem poderia ser em termos de ângulo, enquadramento e outros elementos. Quando o desenhista recebe esse roteiro, fica também livre para adaptar ou mudar aquilo que considera importante, a fim de obter um efeito melhor. Grande parte da concepção visual acaba ficando com o desenhista. Se torna, portanto, uma criação conjunta na qual texto e imagem se relacionam e se complementam", explica.

E para quem deseja começar a escrever tiras, Christian David compartilha algumas dicas. "Ler em abundância essa forma de contar histórias, conhecer a história da produção das tiras e de seus autores, apoiar os autores nacionais, frequentar eventos, buscar desenhistas parceiros e arriscar um protótipo assim que as ideias começarem a brotar. Acredito que a definição dos personagens e da trama inicial também é algo a ser estudado e pensado com carinho, pois será a partir disso que toda a produção de tiras vai partir. Tentar ser o mais original possível, qualquer absurdo pode parecer coerente quando bem estruturado. Uma capivara marciana e tecnológica na primeira colônia extraterrena pode parecer algo absurdo, mas a tira "Vida em Marte", por exemplo, na qual essa personagem existe, parece fazer todo o sentido quando apresentada com humor e imaginação na dose certa", conclui.



Christian David é graduado em Biologia e pós-graduado em Literatura Brasileira pela UFRGS. É professor na Metamorfose Cursos e colaborador do Literatura RS. Ocupa a cadeira 24 da Academia Rio-Grandense de Letras. Tem mais de 20 títulos publicados em diversas editoras. Já recebeu diversos prêmios como o Prêmio Saraiva 100 anos, Prêmio AGES, Prêmio Cidade de Passo Fundo, Prêmio Off-flip, Prêmio Academia Rio-grandense de Letras, Prêmio LeBlanc, Prêmio Sintrajufe-RS pelo conjunto da obra, inclusão no Catálogo de Bolonha, Acervo Básico e Selo Altamente Recomendável da FNLIJ, além de finalista nos prêmios Açorianos e AEILIJ.

 

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