Capacitismo na literatura: o que é e como evitar?
 



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Capacitismo na literatura: o que é e como evitar?

Isabela Zampiron


Apesar de ser um termo novo, o capacitismo é um problema antigo. A expressão diz respeito ao preconceito contra pessoas com deficiência (PcD). A discriminação pode ser disfarçada como "brincadeira"; por exemplo, quando chamamos alguém de surdo por não ter escutado algo de maneira compreensível.

Debates sobre o assunto vêm chamando atenção nos últimos anos, especialmente após o pronunciamento da Disney sobre o live-action do filme "Branca de Neve e os sete anões", em que a empresa afirmou que não terá anões na nova adaptação, gerando conversas sobre capacitismo.

Na literatura, existem diversos livros com personagens PcD que abordam o assunto. O mais famoso é "O Extraordinário", de R. J. Palacio. A história, que possuiu uma adaptação para filme, conta sobre o Augie, um menino de dez anos que nasceu com uma deformidade facial genética. Ao entrar no quinto ano, ele passa a frequentar a escola pela primeira vez, onde precisa mostrar aos colegas que, apesar da aparência incomum, é igual a todos.

Para ampliar o debate, conversamos com duas ex-alunas do Formação de Escritores, Michele Vaz Pradella e Sara Aline Ribeiro de Senna.




Qual a melhor forma de retratar uma pessoa com deficiência na literatura?

Michele - Eu acho que a principal forma é com verdade. Acho que o personagem tem que ser crível, tem que ser verossímil acima de tudo. Também se deve evitar cair em clichês. É ruim tanto o clichê de coitadinho, daquele que causa a pena todo mundo, vive preso na cadeira de rodas, e também é ruim retratá-lo como um super-herói, um exemplo de superação como se ele fosse alguém superespecial apenas para existir dentro daquela deficiência.

Sara - Eu diria que colocando o personagem como uma pessoa comum com suas particularidades próprias e características para além da deficiência. O que tendemos a ver nos filmes e livros são, na grande maioria, vilões que possuem alguma deficiência ou que adquirem uma deficiência como forma de "punição" por ter sido ruim. Também vemos muito o personagem da "vítima" e do exemplo de superação... Entre nós que somos PcDs isso acaba ficando muito cansativo e eu só queria ver um personagem que tem uma vida comum assim como eu. Alguém que sofre por amor, que não consegue pagar o aluguel em dia ou que quer ser astronauta. A deficiência como característica e não como foco.


Como evitar capacitismo nas obras?

Michele - Eu acho que a sociedade está mudando e começando a enxergar as diferenças de outra forma. Então acho que o principal é evitar termos como "fulano de tal sofreu um acidente e passou a viver preso a uma cadeira de roda". Isso é um baita de um clichê e um clichê mentiroso porque a cadeira de rodas não prende ninguém, pelo contrário, liberta. Ela ajuda a pessoa que tem dificuldade de locomoção a ir a qualquer lugar que ela precise ir desde que o local seja de fácil acesso. Acho que é preciso ter um certo cuidado em como aquela pessoa vai ser retratada para que ela não vire um estereótipo.

Sara - A melhor forma de evitar o capacitismo acredito que seja ir conversar com pessoas com deficiência, com o tipo de deficiência que o autor está disposto a retratar. Existem muitos tipos diferentes de deficiência no mundo e até eu que sou PcD preciso fazer minhas pesquisas antes de escrever as coisas que escrevo para não pecar pela ignorância e acabar ofendendo alguém ou repetindo estereótipos. O conhecimento é o melhor remédio mas, nesse caso, só o Google não basta. É importante buscar conversar, dialogar mesmo com PcDs antes de escrever qualquer coisa.


Sobre lugar de fala, você acha que somente quem é PcD pode abordar esse tipo de temática na obra?

Michele - Somente mulheres podem escrever uma história com uma protagonista mulher? Somente um autor gay pode escrever sobre um personagem gay? Eu acho que não. Eu acho que isso aí depende porque a gente cria uma história, mas dentro daquela história a gente tem que ter certos cuidados. Não precisa o autor ter deficiência, mas é necessário ele se cercar de pessoas com deficiência, conviva naquele universo, converse com pessoas, para ter uma noção de como é aquele dia a dia que é diferente do dia a dia dele. Então ter uma espécie de consultoria que é o que se faz nas novelas, nos filmes.

Sara - Como já disse antes, acredito que se precise ter muito cuidado quando for abordar uma vivência que não temos. Há o perigo de repetir estereótipos e capacitismos caso não haja um cuidado e uma busca criteriosa por informações diretamente de um grupo ou pessoas com deficiência. Tem o papel do "cuidador" também, que, geralmente, se trata de uma pessoa sem deficiência, mas que, por estar ali presente no dia a dia e tomando conta da pessoa com deficiência, já teria lugar de fala. Tudo é muito subjetivo e acredito que o mais importante seja sempre manter o respeito. Eu com certeza adoraria ver mais representatividade de PcDs na literatura e não me importaria de ler sobre isso de um autor sem deficiência. Isso inclusive pode incentivar mais pessoas com deficiência a escrever também.


Glossário anticapacitismo

Para ajudar na escrita de um vocabulário livre de preconceitos, separamos uma lista de palavras e expressões consideradas capacitistas para tirar do seu cotidiano:

- Louco;
- Maluco;
- Retardado;
- Mongol;
- Estúpido;
- Imbecil;
- Surdo-mudo;
- Capenga;
- Bipolar;
- Deformado;
- Sequelado;
- Cego de raiva;
- Dar uma de João sem braço;
- Não temos braço para isso;
- Desculpa de aleijado é muleta;
- Estava só aqui no meu mundinho autista;
- Dar uma mancada;
- Estar mal das pernas;
- Fingir demência;
- Achei que você fosse normal.

 

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